Amor, controle e aliança das ‘‘cunhadas’’ à sombra das facções em Alcaçuz: do El País

10o18

“Queria estar tocando a sua mão agora, meu amor”, dizia a mulher de um detento da prisão de Alcaçuz enquanto falava com ele no celular. Do outro lado da linha, ele, no telhado, fazia um gesto e acenava com a mão. Ela o via do alto de uma das dunas que rodeiam a maior cadeia do Rio Grande do Norte, tornando a conversa quase presencial.




Já não há mais presos nos telhados da prisão _os internos estão recolhidos e a polícia disse ter retomado o controle dos pavilhões nesta sexta_, mas a cena, da semana passada, é um microcosmo da rotina de interdependência entre mulheres e presos, que nem do lado de fora escapa da zona de influência das facções criminosas que se enfrentam lá dentro. Tudo gira em torno de celulares, que continuavam ativos mesmo após a operação policial desta sexta. Há bloqueadores de sinal, mas eles foram desligados pelos internos no dia em que começaram os confrontos que mataram ao menos 26 detidos. Seguem desativados até hoje.

É pelo celular que os detentos controlam absolutamente tudo na vida das companheiras. “Meu marido mandou eu sair dos grupos [de WhatsApp] e desativar meu Facebook porque tem muita mulher complicada e que procura problemas pra si e para quem está perto”, contou uma delas, por WhatsApp, à reportagem. “Deus me livre de confusão. Meu marido me pune”, escreveu. Como ele poderia puni-la de dentro do presídio? “Como se educa uma criança? Com castigo que venha a ensinar a ela não cometer mais o erro, tirando aquilo que ela mais gosta, privando de fazer aquilo que ela gosta, você entende?”

“Eu não posso mentir para ele”, seguiu. “Ele é um esposo muito bom, amigo, companheiro. Ele é uma pessoa espetacular, admiro muito meu marido”, escreveu. Por isso ela diz ir a todas as visitas _antes de elas serem suspensas. Assim como a maioria das mulheres dos detentos, ela se vira em trabalhos informais, como manicure, vendedora, faxineira, para garantir algum sustento. “Quando meu marido sair daquele lugar vamos ter uma vida social”.

Os homens lá de dentro representam quase tudo o que as mulheres do lado de fora podem ter.  Algumas começam os namoros dentro do presídio, conhecendo os detentos em visitas. “O marido da minha amiga está lá dentro e tinha um amigo solteiro”, contou uma delas. “Aí o marido dela perguntou a ela se não tinha uma amiga para apresentar pra ele. Ela deu meu telefone para o amigo e começamos a namorar”. Isso foi há dois meses. Fazia uma semana que ela estava acampada na porta do presídio acompanhando a movimentação depois do primeiro motim.

As mulheres de uma facção – em Alcaçuz são o PCC (Primeiro Comando da Capital) e o Sindicato do Crime,RN – se chamam de cunhadas. Conhecem-se pelo apelido dos maridos dentro do presídio: Palhaço, Cachorro, Nêgo…. Criam grupos por WhatsApp para trocar informações.Assim como dentro do presídio as facções não se misturam, lá fora, a regra é seguida à risca. Durante a tensa semana dos motins, as mulheres dos membros do RN ficavam juntas, próximas à entrada do presídio. As mulheres dos membros do PCC em outro local. Atacavam umas às outras.

Além do controle sobre elas feito pelos maridos, de dentro do presídio, há também o dos companheiros de facção do lado de fora. Na semana passada, uma das mulheres, nervosa porque o marido havia sido transferido e estava sendo apontado como um dos líderes do PCC, se descontrolou: “Ele não pode responder por isso sozinho”, dizia, junto às demais, num grupo nos fundos do presídio. “Cadê os irmãos agora?” O questionamento incomodou. Em questão de minutos apareceu um telefone em sua mão e ela foi colocada na linha com alguém para se explicar. Pediu desculpas e disse que “não foi bem assim”. Na sequência, houve uma espécie de reunião, ali mesmo, presenciada pela reportagem. “Cuidado com o que vocês dizem aqui”, falava um garoto, um dos únicos no bando das mulheres. “A imprensa está aqui, está anotando tudo”.

EL PAÍS DA ESPANHA

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