Delcídio reafirma que Lula quis ‘calar’ Cerveró e pede anulação de ‘escuta’

O ex-senador Delcídio Amaral (ex-PT/MS) reafirmou os termos de sua delação premiada de que o ex-presidente Lula queria calar o ex-diretor da Petrobrás Nestor Cerveró (Internacional). Em alegações finais de 253 páginas no processo da 10.ª Vara Federal de Brasília, no qual é réu ao lado do petista, Delcídio pediu ‘nulidade’ da gravação ambiental que o pegou, em 2015, supostamente tramando a compra do silêncio de Cerveró em tentativa de obstrução de Justiça. O ex-senador sustenta que o áudio foi feito pelo ‘agente encoberto’ Bernardo Cerveró, filho de Nestor, ‘por orientação e participação’ do ex-procurador da República Marcelo Miller, protagonista do caso JBS.

Delcídio foi preso em novembro de 2015, supostamente por envolvimento com a compra do silêncio de Cerveró que, à época, estava na iminência de fechar acordo de delação premiada. Em fevereiro de 2016, após fechar ele próprio acordo de delação, Delcídio foi solto.

O ex-senador e Lula são réus perante a 10.ª Vara Federal de Brasília. O procurador da República Ivan Marx pediu a absolvição de Lula e desqualificou a delação de Delcídio.

Em suas alegações finais, a defesa do ex-senador pede, alternativamente, à 10.ª Vara Federal de Brasília que seja rejeitada integralmente a denúncia contra Delcídio ‘julgando improcedente as imputações, ante a absoluta ausência de prova idônea que justifique a condenação’.

A defesa de Delcídio sustenta que o caso JBS – delação premiada de seus principais executivos que mergulhou o governo Michel Temer em sua pior crise política – ‘demonstrou claramente que o procurador Marcelo Miller participava ativamente das gravações clandestinas contra autoridades públicas, conforme se depreende da decisão do Supremo Tribunal Federal, na Ação Cautelar 4352 da lavra do ministro Luiz Edson Fachin’.

A defesa diz que Bernardo Cerveró, ‘após ser ilegalmente instruído pelo ex-procurador da República Marcelo Miller, compareceu ao encontro imbuído do propósito anteacto de tornar Delcídio do Amaral objeto da prova’.

“Sua intenção não era se defender de uma eventual investida criminosa, mas sim provocar o interlocutor (Delcídio) a pronunciar declarações comprometedoras, mediante falsa representação da realidade, para, mais tarde, utilizar-se da gravação como a prova decisiva para conseguir a colaboração de seu pai, Nestor Cerveró. À míngua de qualquer outro elemento idôneo a justificar o acordo.”

Segundo os advogados do ex-senador, ‘os recentes fatos desvelados pela Procuradoria-Geral da República, que pediu a prisão preventiva de Marcelo Miller, revelam que o ex-procurador atuava diretamente, antes da homologação do acordo, instruindo os pretensos colaboradores a participarem diretamente da produção probatória de fatos mediante a gravação de conversas próprias ou alheias’.

“As escutas ambientais se tornaram o instrumento predileto das investigações conduzidas pelo ex-procurador Marcelo Miller, agiu assim no caso em exame, na colaboração de Sérgio Machado, e repetiu a estratégia no caso JBS, onde foi desmascarado pela própria Procuradoria-Geral”, assinala a defesa de Delcídio. “Assim, desprezou a determinação da Constituição da República invadindo a privacidade de um senador da República sem autorização do Supremo Tribunal Federal dando ensejo às mais variadas práticas criminosas, como a absurda interceptação criminosa ambiental da Presidência da República.”

Nas alegações finais, os defensores do ex-senador pedem ‘o reconhecimento da efetiva e prestativa colaboração, a fim de que seja concedido o perdão judicial a Delcídio’.

“Diante de toda prova carreada aos autos, a denúncia deve ser integralmente rejeitada, pois diversas são as nulidades preliminares ao mérito”, reage Delcídio à acusação do Ministério Público Federal.

“Desta forma, requer-se decretada a nulidade da prova realizada de forma ilícita pela acusação, gravação ambiental, determinando seu desentranhamento dos autos e posterior destruição, bem como das demais provas que dela tenham derivado por estarem em franca hostilidade aos princípios constitucionais e fórmulas legais vigentes em nosso ordenamento jurídico”, pedem os advogados.

Delcídio enfatiza ‘a posição de liderança da organização criminosa na figura da pessoa de Luiz Inácio Lula da Silva reconhecida pela Procuradoria-Geral da República’.

Segundo o ex-senador, a acusação contra Lula ‘conta com inúmeros suportes probatórios isolados em diversas ações penais que são partes de um mesmo contexto denominado, Operação Lava Jato’.

Os advogados do ex-senador apontam o ‘íntimo envolvimento de Luiz Inácio Lula da Silva’ com o ‘Quadrilhão do PT’ e lembram que o ex-presidente já foi condenado a 9 anos e meio de prisão pelo juiz Sérgio Moro, da 13.ª Vara Federal de Curitiba, pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro.

A defesa ataca o procurador da República Ivan Marx, que inocentou Lula e insiste em sua condenação. O ex-senador pede a remessa do caso ao Conselho Nacional do Ministério Público ‘para apuração de eventual conduta irregular’ do procurador.

“A operação de obstrução de justiça supostamente ocorrida e objeto da presente ação penal resta clarividente que, contrariamente ao que pretende fazer crer o sr. Ivan Marx, foi engendrada pelo ex-presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, isto porque a suposta operação para ‘calar’ Nestor Cerveró precisa ser analisada em um sentido macro, o qual envolve a corrupção sistêmica implementada por partidos políticos junto as empresas públicas e privadas”, assinalam os defensores de Delcídio, liderados pelo criminalista Antônio Figueiredo Basto.

Em razões finais, Delcídio destaca que, em meados de 2015, encontrou-se com o ex-presidente na sede do Instituto Lula, em São Paulo. “Tal fato, inclusive, é comprovado por Lula, em depoimento colhido em 7 de abril de 2016, na sede da Procuradoria Geral da República.”

Segundo os advogados do ex-senador, ‘o assunto entabulado por Delcídio e Lula foi ‘aspectos da Operação Lava Jato’.”

Lula negou ter participado ou mesmo saber de pagamentos destinados a Cerveró.

Ainda segundo a defesa de Delcídio ‘houve também o afastamento do sigilo telemático dos e-mails de funcionários do Instituto Lula e, na análise dos documentos, confirmou-se a presença de fato do então senador naquela sede (do Instituto Lula)’.

Os advogados de Delcídio destacam que a reunião no Instituto Lula ‘foi confirmada no Portal de Transparência do Senado Federal comprovando (que Delcídio) se deslocou de Brasília para São Paulo, no dia 8 de maio de 2015’.

“Importante ressaltar que Delcídio do Amaral Gomez, à época dos fatos, além de senador, era também líder do Governo Dilma no Senado, e sua visita constou como ato oficial desta Casa Legislativa. A sua visita ao Instituto nestes termos apresentados não lhe alça a posição de líder; mas sim, de subordinado ao maior nome dos quadros do Partido dos Trabalhadores, partido da então Presidente da República.”

Os advogados voltam a atacar o procurador que acusa Delcídio. “Estranhamente, nada disso foi considerado pelo sr. Ivan Marx. Este se preocupou, ignorando a prova dos autos, em desviar o foco de Luiz Inácio Lula da Silva e substituir o chefe desta operação de obstrução e, por consequência, a liderança da organização criminosa por Delcídio do Amaral Gomez.”

Segundo a Procuradoria, o plano consistia no pagamento de mesada a Cerveró para que ele não citasse o amigo do ex-presidente José Carlos Bumlai. Os pagamentos seriam realizados por um filho de Bumlai, Maurício.

Delcídio reafirma que a preocupação de Lula era preservar o amigo. “Após extensa apresentação de ações penais que demonstram o íntimo relacionamento existente entre o sr. Maurício Bumlai (filho de José Carlos) e o ex-presidente Lula, não resta qualquer dúvida que a intervenção de Maurício Bumlai na forma de financiar pagamentos à família de Nestor Cerveró com o intuito de interferir na colaboração processual deste tinha por objetivo evitar a revelação do empréstimo fraudulento concedido pelo Banco Schahin a Maurício Bumlai, que na realidade pretendia defender os interesses do PT e de Lula.”

“A cronologia dos fatos nos permite concluir que Delcídio se encontrou com Lula, no Instituto que tem o seu nome, e, logo em seguida, após Delcídio procurar Maurício Bumlai, iniciaram-se os pagamentos à família de Nestor Cerveró.”

Os advogados argumentam que em janeiro de 2015 Delcídio recebeu e-mail de Bernardo Cerveró, solicitando contato. Ainda em janeiro de 2015, Delcídio entrou em contato com Edson Ribeiro, advogado de Nestor Cerveró. Ribeiro, por seu lado, relatou que a família Cerveró ‘enfrentava problemas para pagar os honorários advocatícios relacionados à defesa do ex-diretor da Petrobrás na Operação Lava Jato’.

“Lula foi o único mentor da obstrução”, afirma a defesa do ex-senador.

COM A PALAVRA, O ADVOGADO CRISTIANO ZANIN MARTINS, QUE DEFENDE LULA

“As afirmações do delator foram totalmente desmentidas pelas provas produzidas na ação, que mostrou que o ex-Presidente Lula jamais praticou qualquer ato com o objetivo de impedir ou retardar a colaboração do ex-Diretor da Petrobras Nestor Cerveró.

O Ministério Público Federal pediu a absolvição de Lula na ação e reconheceu que Delcidio “estava agindo em interesse próprio” e que “não há nada que demonstre o interesse de LULA no silêncio de Cerveró”, como sempre foi afirmado pela Defesa do ex-Presidente”.

COM A PALAVRA, MARCELO MILLER

A reportagem não localizou o ex-procurador Marcelo Miller. O espaço está aberto para manifestação.

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