Promotoria do Patrimônio Público entra com ação para impedir saques do fundo previdenciário do RN

O Ministério Público do Rio Grande do Norte entrou com uma ação na Justiça, nesta sexta-feira (17), para impedir que o Instituto Previdenciário do Estado (Ipern) possa sacar recursos que restam no Fundo Financeiro do Estado (Funfir), com a finalidade de pagar salários de aposentados e pensionistas.

Cerca de R$ 321,3 milhões – o que resta deste fundo, que sofre saques desde dezembro de 2014 – estão em aplicações de longo que prazo, que se vencem entre 2019 e 2021, em sua maioria. Para sacá-los, o estado teria que pagar uma multa de cerca de 40% ao banco que administra as aplicações financeiras.

A Promotoria de Defesa Patrimônio Público pede que o valor só seja liberado caso haja garantias que o governo não perderá recursos com pagamento de multas ou outros tipos de sanção, por tirar o montante fora do prazo estabelecido pelo contrato.

A realização de um estudo para o uso desses recursos foi combinada dentro de uma ação aberta no Tribunal de Justiça do RN, pelo próprio MPRN (através da Procuradora Geral de Justiça), para garantir o pagamento dos duodécimos, que são os recursos repassados pelo Estado aos poderes (TJRN, MPRN, Tribunal de Contas, entre outros). Esses valores, passados todos os meses, servem para custeio desses órgãos, como pagamento de salários e demais despesas. Também participaram do acordo representantes da Assembleia e do TCE, que também têm ações abertar para cobrar pagamento dos duodécimos.

A ideia do governo, segundo o procuragor geral do estado, Francisco Wilke Rebouças, era usar esse dinheiro do Funfir para pagar aposentados e pensionistas do estado e, desta forma, liberar recursos da Fonte 100 (de onde sai os salários pagos atualmente) para garantir os duodécimos. O governo reconhece dívida de mais de R$ 300 milhões com os poderes.

Porém a ação cautelar de caráter antecedente promovida pelo promotor Afonso de Ligório Bezerra Júnior, da 60ª Promotoria de Defesa do Patrimônio Público da Comarca de Natal, considera que o Ipern não fez parte do acordo e considerou que o possível saque causaria danos ao patrimônio estadual, em especial da previdência, além de que não contava com autorização da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Norte, como é previsto por lei.

“A retirada imediata desses recursos atualmente investidos no mercado financeiro gerará um deságio no montante aproximado de oitenta milhões de reais. A título de exemplo, esse saque sem planejamento e sem nenhum estudo sobre os seus reflexos no equilíbrio atuarial e financeiro da previdência dos servidores públicos estaduais provocaria um dano ao erário do IPERN tão considerável que seria o equivalente a um terço de todo o dinheiro empregado na construção da Ponte Newton Navarro”, destacou o promotor.

O promotor pediu que seja deferida a liminar com a finalidade de determinar ao Ipern que se abstenha de sacar os recursos do fundo, salvo se houver autorização da Assembleia Legislativa, por meio de lei complementar; os recursos estejam disponíveis, ou seja, os prazos de aplicação dos recursos já tenham se vencido, ou houver dispensa formal dos credores de todos os ônus, deságios, multas, juros e outros advindos dos saques realizados antes do vencimento dessa aplicação. Afonso de Ligório também pediu que o Ipern seja notificado a apresentar um parecer, sobre o caso.

PGJ vê ação com “naturalidade”

Participante do acordo que agora é questionado pela Promotoria do Patrimônio Público, o procurador-geral de Justiça, Eudo Leite, afirmou ao G1 que “a PGJ vê com naturalidade a atuação de qualquer promotor nos termos em que o mesmo entenda adequado, dentro de sua independência funcional e liberdade de atuação. Vamos aguardar o pronunciamento judicial e, sendo considerado indevido o saque do Funfir, esperaremos a indicação de outras fontes de recursos por parte do Estado para recomposição dos duodécimos”.

Mais cedo, antes de tomar conhecimento da ação do promotor, Eudo Leite considerou que o uso dos recursos era determinante para que o estado pudesse colocar pagamentos em dia e que a medida é justificada pela realidade atual, de “descalabro” nas contas públicas.

“A realidade do Estado hoje é diferente da de outrora. Não sei como foi a posição anterior do MPRN quanto ao Funfir, mas posso dizer que a situação atual é de completo descalabro financeiro no Estado do RN, exigindo que medidas excepcionais sejam adotadas. O Estado não consegue pagar em dia a folha de pagamento dos servidores, nem tampouco consegue repassar adequadamente os duodécimos dos poderes, cujo atraso já ultrapassa R$300 milhões. Nesse contexto, o direito, o jurídico tem que ceder ao princípio da realidade”, considerou.

Ainda de acordo com Eudo Leite, não é possível desconsiderar o atraso de salários dos servidores, que geram graves prejuízos às famílias dos servidores. O Estado também não pode inviabilizar os poderes, sob pena de violentar o Estado de Direito. “Assim, para não contribuir mais ainda para o caos e colapso dos serviços públicos, o MPRN concordou que o Estado buscasse outras fontes de recursos para fazer face às suas muitas dívidas, surgindo o Funfir no meio desse debate. Seja qual for o fundo ou a fonte de recursos, há que se privilegiar agora as pessoas, flexibilizando as normas, como decidido pelo STF”, considerou.

O G1 também procurou o representante do estado no acordo, o procurador-geral do Estado, Francisco Wilke Rebouças, mas ele não atendeu às ligações.

Tribunal de Contas tem posicionamento contrário a saques

O Tribunal de Contas do Estado (TCE) já havia proibido saques no fundo previdenciário e recomendado ao Estado que devolvesse os recursos que já tinham sido tirados de lá, neste ano. Nesta sexta-feira (17), o Tribunal afirmou que seu posicionamento a respeito do uso de recursos por parte do Executivo Estadual já estão nas decisões cautelares da Corte. “A repercussão de eventuais decisões judiciais acerca do assunto, ou mesmo casos de legítima provocação no âmbito do TCE/RN, serão analisados dentro do curso normal do processo”, informou em nota.

Procurador-geral do Município de Natal, Carlos Castim considera que se houver liberação do fundo financeiro para pagamento de aposentadorias e pensões do Estado, o mesmo deve valer para o município. Ele lembrou que a prefeitura teve que devolver R$ 16 milhões sacados no início do ano para pagar aposentadorias. A última parcela de R$ 2 mi, está prevista para dezembro. “O direito tem que ser o mesmo para ambos os casos”, reforçou.

Funfir

2003 – Como em todo o Brasil, a previdência estadual do Rio Grande do Norte funcionava em modelo de repartição simples. Isso significa que os servidores da ativa, que estão contribuindo com a previdência, pagam o salário daquele que já está aposentado. Porém, a partir deste ano, foi criado um fundo previdenciário para os novos servidores, em um modelo de capitalização. As contribuições dos servidores da ativa que entrassem a partir de 2003 iriam ser colocadas em aplicações financeiras para pagar a aposentadoria deles mesmos no futuro. O governo passou a arcar com o déficit do sistema anterior. O objetivo era acabar, em longo prazo, com o déficit previdênciário, previsto com a redução do número de servidores no estado e a aposentadoria dos antigos.

2014 – Já no final do seu mandato, a então governadora Rosalba Ciarlini (DEM) consegue aprovar na ALRN um projeto que unifica o fundo antigo (deficitário) com o novo fundo previdenciário (superavitário, com cerca de R$ 973 milhões). No mesmo dia em que a lei foi aprovada, os saques começaram. Somente em dezembro de 2014, foram sacados R$ 234.157.275,33.

Antes da aprovação da Justiça, o TJRN havia negado o pedido do governo para fazer saques no fundo. À época, o então presidente do Tribunal, desembargador Cláudio Santos, considerou a medida como “irresponsabilidade” dos gestores.

2015 – Ainda no primeiro ano de gestão, a equipe econômica do governador Robinson Faria (PSD) sacou mais R$ 589.157.572,32 para pagar aposentados e pensionistas, deixando a folha salarial em dia.

2016 – A Assembleia aprovou uma lei que estabeleceu um prazo de 20 anos, que começarão a ser contados em 2020, para o Estado devolver esses recursos sacados do Funfir. No texto da lei, porém, os deputados também autorizaram o Estado a sacar recursos em 2017, quando acabaria o período de aplicação deles no mercado financeiro.

Maio de 2017 – Ao fim do prazo da primeira aplicação, o estado sacou R$ 61.600.000,00.

Agosto de 2017 – Já em agosto, foram tirados mais R$ 28.000.000,00. Após esse saque, o TCE determinou a devolução dos recursos. Ao todo, desde 2014, foram sacados R$ 912.915.144,65.

Novembro de 2017 – Com dificuldade de pagar salários e atrasos nos repasses dos duodécimos, governo fecha acordo para tentar usar recursos que ainda estão aplicados. A multa para retirada fora do tempo é estimada em R$ 80 milhões. O valor total é de R$ 321.377.459,67 – soma das contribuições e o próprio retorno financeiro das aplicações.

A previdência estadual atualmente conta com um déficit mensal de aproximadamente R$ 120 milhões.

G1 RN

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