Movimento luta pela criação do Hospital da Mulher em Caicó e redução da mortalidade materno-infantil

Ana Karla Farias/Especial para o DEFATO.COM

O nascimento de um filho é um momento aguardado com muita ansiedade pelos pais. Durante os meses de gestação, eles cuidam minuciosamente da decoração do quarto, dos objetos, do enxoval do bebê e, sobretudo, preparam o coração que será morada de um pequenino ser por quem já nutrem um amor incondicional. Mas, em muitas vezes, os pais não chegam a conviver com seus filhos por que eles não nascem com vida. E não raro, a própria mãe chega a óbito por não dispor de um ambiente hospitalar que ofereça atendimento adequado e digno a quem recorre ao Sistema Único de Saúde (SUS).

Não divergindo da realidade predominante no país, em Caicó, principal cidade da região do Seridó potiguar, que conta com uma população estimada em mais de 65 mil habitantes; a morte materno­infantil tem preocupado muitos segmentos de mulheres e homens da localidade. Há na cidade, dois hospitais públicos, o Hospital do Seridó e o Hospital Regional do Seridó, que segundo reclamações da população feminina local, não possuem estrutura adequada e suficiente para atender às usuárias. Fato que condiciona às mulheres que devem ser submetidas a partos de média e alta complexidade, a terem de se deslocar para a capital do estado, buscando alternativas, a fim de ter acesso a um serviço público que é por direito de todas elas.

Com o objetivo de solucionar a problemática da falta de recursos básicos para a assistência à saúde da mulher seridoense, um grupo, constituído de aproximadamente 15 membros, dentre eles, mulheres e homens de Caicó e cidades circunvizinhas, decidiram ir à luta. Momento em que formaram o Movimento de Mulheres do Seridó em defesa da criação do Hospital da Mulher em Caicó.

“A região do Seridó não dispõe de nenhum hospital da mulher. O hospital do Seridó funciona como maternidade, porém, como é uma Fundação de caráter privado, deixa de receber verbas do governo federal como é o caso da Rede Cegonha, que é um projeto do SUS direcionado ao parto humanizado. Existem casos de mortes de parturientes e de recém­nascidos, assim como os que sobrevivem com sequelas de um parto feito sem a devida assistência, em razão de falta de estrutura do Hospital do Seridó. A estrutura é decadente e não oferece condições mínimas de conforto aos pacientes. São enfermarias sem resfriamento adequado, banheiros precários, macas e camas enferrujadas”, desabafa a coordenadora do Movimento de Mulheres do Seridó, Lúcia de Fátima.

Se um sonho sonhado isoladamente por um indivíduo continua sendo uma quimera, quando compartilhado por muitos, ele se corporifica. Nascido de um sonho da coordenadora, o Movimento de Mulheres do Seridó defende a transformação do Hospital Regional do Seridó em um centro de referência ao atendimento da mulher que ofereça atendimento médico-hospitalar especializado às usuárias de Caicó e região do Seridó.

Movimento começou na internet

“O movimento começou antes do carnaval, a partir de uma postagem minha no Facebook. A postagem contava um sonho que tive. Eu sonhei que o povo de Caicó invadia o Hospital do Seridó e através de uma equipe, formada também por estudantes do curso de medicina daqui, era instalada uma unidade de atendimento humanizado nesse hospital, de acordo com as exigências de um sistema digno de saúde da mulher. Então, muita gente comentou, e compartilhou o sonho, incentivando uma luta de modo a se tornar realidade. Como sou membro do Conselho Municipal da Mulher, levei a ideia pra lá, tendo em vista que essa demanda da saúde da mulher no Seridó é pauta constante todos os anos nos atos do dia 8 de março, Dia Internacional da Mulher, que realizamos pelo conselho e movimentos de mulheres. Por essa carência e importância, a ideia foi acatada por todas as conselheiras e da coordenadora Edna Santiago ”, afirma Lúcia.

Desde o surgimento do grupo, atividades contínuas como coleta de assinaturas, debates, caminhadas e palestras, estão sendo desenvolvidas por diversos segmentos da sociedade caicoense que aderiram à luta referente à saúde e atendimento digno às parturientes e recém­nascidos. Na data alusiva ao Dia Internacional da Mulher, por exemplo, foi realizada, no Centro da cidade, uma caminhada onde os participantes saíram em direção ao Hospital do Seridó, finalizando o percurso com um abraço simbólico à unidade hospitalar.

“Durante o carnaval, inserimos algumas ações no Bloco ‘Respeito à Mulher, este é meu bloco em Caicó’, como divulgação nas emissoras de rádios e também, saímos no carnaval de rua, usando plaquinhas com diversas frases em alusão ao hospital

da mulher. Na comemoração do dia 8 de março, houve uma caminhada com cartazes, panfletos do Manifesto, faixas e carro de som em direção ao hospital, tendo a participação de diversos segmentos da sociedade como o SINTE, a Associação das Empregadas Domésticas, Cáritas, Aldeias SOS, Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais, SindServ, alunos da UFRN, membros da Secretaria de Saúde do município, SEMTHAS, alunos das escolas públicas, professores, representantes de igrejas, finalizando com o Abraço no hospital. Durante o I Seminário de Políticas Públicas para as Mulheres do RN, em Natal, foi tirada uma moção de repúdio para que a Promotoria de Justiça da Saúde do Estado dê resposta a uma ação que tramita lá transformando a Fundação Carlindo Dantas (Hospital do Seridó) num hospital público de referência à saúde da mulher”, esclareceu a coordenadora do Movimento sobre a saúde da mulher em alusão ao Dia Nacional de Redução da Mortalidade Materna e do Dia Internacional de Luta pela Saúde da Mulher.

Movimento marca ato para dia 24

Para planejar as atividades que serão desenvolvidas na ocasião, a coordenação do movimento juntamente com os demais participantes, pretendem realizar uma reunião no dia 24 deste mês, no Centro Educacional José Augusto (CEJA), localizado no bairro Penedo, às 16h30. “No momento, estamos fazendo coleta de assinaturas do abaixo-assinado e realizaremos uma reunião no dia 24 para planejarmos a I Jornada de Luta pela Saúde da Mulher, com diversas atividades e encerramento da campanha no dia 28 de maio, Dia Internacional de luta pela Saúde da Mulher e Dia Nacional de Luta contra a Mortalidade Materna”, disse Lúcia.

Outro momento decisivo deve ocorrer no dia 28 de maio. Trata­se de uma jornada. Por falta de um Hospital da Mulher que garanta o acesso à saúde integral e de qualidade à população feminina da localidade e cidades circunvizinhas, desde 2007 até o corrente ano, cerca de 167 parturientes chegaram a óbito, segundo informações fornecidas pela coordenadora do Movimento de Mulheres do Seridó. “Enviamos um ofício à 4a USARP para obtermos do Comitê de Morte Materna varias informações acerca das mortes de gestantes, ainda não recebemos o resultado oficial,no entanto, recebemos uns números mostrando que de 2007 para cá,na faixa de 167 mulheres morreram de parto aqui. Sem contar o número de crianças que morrem na hora do parto ou nascem com sequelas”, afirmou.

Além do código penal brasileiro e dos vários tratados internacionais que regulam os direitos humanos e direitos das mulheres, em especial, a portaria 1.459/201,1 do Ministério da Saúde, que instituiu no âmbito do SUS, a Rede Cegonha, defende que toda gestante tem direito ao acesso à atendimento digno e de qualidade no decorrer da gestação, parto e puerpério, bem como a Lei n° 11.634, de 27 de dezembro de 2007, dispõe sobre o direito da gestante ao conhecimento e à vinculação à maternidade onde receberá assistência no âmbito do SUS.

Premissa que na prática, tem­se mostrado bem diferente. “A nossa realidade é de um descaso enorme com a saúde da mulher, realidade típica de uma sociedade patriarcal, machista, com várias formas de violência, incluindo a obstétrica. São muitas as reclamações feitas pelas mulheres que recorrem aos setores de saúde pública: mau atendimento, demora na entrega de exames (mesmo os urgentes), faltam médicos especialistas no atendimento materno/infantil, as gestantes não recebem um acompanhamento integral, com orientações de parto sem riscos”, concluiu Lúcia.

População cobra melhorias

Para o seridoense e médico residente de Pediatria, Wilker Medeiros, toda gestante precisa de acompanhamento pré­natal, da assistência ao parto e puerpério e da assistência à criança, sendo a criação de um hospital de referência à saúde da mulher, uma necessidade urgente e inadiável.

“Caicó precisa de um hospital que atenda às usuárias da cidade e região, durante o pré­natal, parto e pós­parto e que o mesmo tenha equipamentos adequados para garantir um diagnóstico rápido e preciso. A instalação do hospital reduziria, sem sombra de dúvidas, a prematuridade e riscos de gestação complicada. Os benefícios dessa política pública de saúde da mulher não ficariam alocados somente no interior do Estado, pois, a unidade hospitalar também desafogaria a alta demanda de pacientes que são atendidas na maternidade de Natal, advindas, sobretudo, das cidades do interior. Por mais que o profissional médico esforce­se para prestar um atendimento humanizado e satisfatório a essas pacientes, o somatório que inclui a falta de especialistas, a dificuldade de se realizar uma consulta técnica adequada em face da escassez de equipamentos, resulta num tratamento destinado à mulher que reside no interior do Estado, muito aquém do que o atendimento que seria delas por direito. Acaba sendo um tratamento baseado no achismo. Afora todos esses problemas, a mulher tem direito, segundo prevê o Ministério da Saúde, a conhecer onde vai ser realizado o seu parto. Até isso está sendo negado às mulheres de Caicó e região”, declarou Eliane dos Santos Vale.

“A instalação de um hospital comprometido com a saúde da mulher fomentaria a grande necessidade que existe em nossa cidade, região e cidades que ficam no estado da Paraíba. Em Caicó, o caso está implantado há muito tempo e as autoridades vigentes nada fazem além de discursos acalorados. Não existe um interesse real com nossa saúde, e este movimento é legítimo porque inúmeras mortes de parturientes já foram registradas. Se as autoridades não são competentes, que nasça no povo a competência legítima e irresignada”, desabafou Eliane Vale.

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