Médica que ligou zika à microcefalia diz que levou 2 meses para ser ouvida

A médica Adriana Melo conta que no início foi difícil - convencer que havia uma relação - Foto: Bruno Landim Pedersoli/UOL
A médica Adriana Melo conta que no início foi difícil convencer que havia uma relação – Foto: Bruno Landim Pedersoli/UOL

Adriana Melo é médica de gestações de alto risco na maternidade pública de Campina Grande, que atende todos os municípios do sertão da Paraíba. Não é pouca coisa, mas ela se destacou por outro motivo: ela foi a primeira a apresentar provas da relação entre o vírus da zika e os crescentes casos de microcefalia na região, em novembro de 2015.

Adriana levou um dia para achar uma solução para o enigma que intrigava as autoridades de saúde do Nordeste desde agosto, mas demorou quase dois meses para que conseguisse colocar em prática sua ideia. Neste período, conta, conviveu com reprovações de companheiros de jaleco, foi tachada de arrogante e alarmista.

Ainda faltam mais pesquisas para comprovar qual a relação entre o vírus e a má-formação, mas, ao anunciar estado de emergência mundial em fevereiro, a OMS (Organização Mundial da Saúde) usou a “descoberta” de Adriana. O alerta foi dado meses depois da primeira sexta-feira de outubro de 2015 — e é aí que nossa história começa.

Segundo Felipe Pereira (Uol, em Campina Grande-PB), naquele dia, ela atendeu na maternidade pública uma gestante que carregava um bebê com uma combinação inédita no cérebro: a microcefalia e o cerebelo atrofiado sugeriam doença genética, mas ambos apareciam juntos a calcificações na caixa craniana que indicavam infecção.

Para embaralhar mais ainda, havia excesso de líquido cefalorraquidiano (líquido do cérebro), o que deveria fazer a cabeça da criança aumentar de tamanho, e não diminuir.Em sua clínica particular, também havia atendido, na mesma época, uma segunda mulher cujo bebê tinha má-formação parecida. E na mesma sexta-feira, tinha recebido por WhatsApp uma nota técnica da Secretaria de Estado de Pernambuco, alertando para o aumento nos casos de microcefalia em mulheres que tiveram manchas vermelhas (sintoma de zika) nos primeiros meses de gravidez.

Intrigada, ela ligou para a primeira paciente e confirmou que a grávida teve as manchas vermelhas na oitava semana de gestação e a suspeita era de zika.

Adriana então passou a madrugada pesquisando em site de artigos médicos, mas encontrou só dez estudos sobre o vírus. O sono perdido foi suficiente para descobrir que o zika estava vinculado à síndrome de Guillain-Barré.

Eu disse: esse vírus gosta de nervos

A coisa foi se encaixando, e ela buscou a Secretaria Estadual de Saúde. A Vigilância Epidemiológica retornou sua ligação e, segundo ela, nem deixou que se explicasse. Ela disse que ouviu um sermão e um retumbante não.

A diretora-executiva da Vigilância de Saúde da Paraíba Renata Nóbrega disse aoUOL que o Estado deu a Adriana “todo o apoio que solicitou”, que os casos informados foram para testes dentro das condições de volume que o Estado consegue atender, um procedimento padrão. O Ministério da Saúde afirma que mesmo para testes de suspeitas, o protocolo oficial é passar por editais de institutos de pesquisas – e isso pode levar meses.

Obsessão com a zika e microcefalia

O assunto virou uma obsessão para Adriana, e até sua família pediu que mudasse de assunto. Mas ela mudou os destinatários do seu discurso. Fez uma reunião com outros profissionais de saúde que atendem grávidas em Campina Grande e comunicou a suspeita a um amigo médico, que indicou uma conhecida na Fiocruz do Rio de Janeiro.

Adriana ligou e pediram para que escrevesse um e-mail. Foi graças a ele que recebeu um telefonema em 5 de novembro, dia do seu aniversário. Por duas horas, no meio da festa em comemoração aos seus 45 anos, elas conversaram sobre como mandar o líquido amniótico das pacientes para a Fiocruz, enquanto os convidados ficavam sem a anfitriã. As amostras foram retiradas na clínica particular da médica e enviadas ao Rio – tudo custeado por ela.

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