A APOSTA

Por Inácio A. Almeida; jornalista/escritor e membro da Academia Ipuiense de Letras

De há muito o Mário de Almeida conhecia aquela dupla. Luís e Vicente eram o que se poderia chamar de dois tarados por apostas. De cuspe em distância, passando por placa de carro, até queda de avião, aqueles dois apostavam.

Porém, se o Mário pensava que sabia todo tipo de aposta, estava muito enganado.

– O que escolher primeiro escolhe apenas um. O outro escolhe dois.

-Eu escolho primeiro, gritou Luís.

E gritou de uma maneira tão agitada que chamou a atenção de todos os que estavam no bar do Jair Sampaio. Até mesmo Macaxeira esticou o pescoço para ver que grito era aquele. E foi pelo grito do Luís que o Mário teve a sua atenção despertada.

“O que escolher primeiro escolhe um e o que escolher depois escolhe dois? Que diabo de aposta estão fazendo?”

E foi com estes pensamentos na cabeça que Mário se aproximou do canto onde estava Luís e Vicente.

– Que tipo de aposta é esta?

-É ou não é justo? O que escolher primeiro escolhe apenas uma e dará direito a que o outro escolha duas. Daí para frente, cada um escolhe uma.

-Então eu escolho motorista de táxi, gritou Vicente. E já escolhi. Sou motorista de táxi. Agora é a sua vez de escolher duas profissões. Pode escolher à vontade.

Luís mal tivera tempo de responder à pergunta do Mário, tal a ânsia com que Vicente escolhera motorista de táxi. Agora era pensar que profissões escolheria. E, enquanto Luís pensava e Vicente ansiosamente aguardava, Mário aproveitou o silêncio que se fez para perguntar novamente:

– Mas, finalmente, qual é a aposta de vocês? Pra que estão escolhendo profissões? Até agora eu apenas entendi isto. O que eu quero saber é quem ganha a aposta. Em que consiste a aposta?

Luís se prontificou a explicar.

– Como você bem sabe Mário, todos os dias estão acontecendo inúmeros assaltos nesta outrora tão tranquila Caicó. Quando nada, acontecem uns trinta. Embora tenha dia de acontecer mais de sessenta. E como eu e o meu amigo Vicente gostamos de uma aposta, resolvemos ver quem acerta mais quais as profissões das vítimas de assalto. Só vale se for assaltado após as 24 horas de hoje. A partir do primeiro minuto de amanhã a aposta está valendo.

– Você, Luís, não acha esta aposta muito estranha?

– Olha, Mário, que a gente aposte que a gente não aposte, amanhã irão acontecer assaltos. Certamente mais assaltos do que hoje. Se alguém deve se sentir melindrado com isto, não somos nós.

Mário sentiu que não adiantava argumentar com aquela dupla. Daí resolveu colocar mais lenha na fogueira.

– Bem, ele já escolheu motorista de táxi. Quais as duas que você escolhe?

– Estou pensando. Como posso me concentrar com você falando o tempo todo. Vicente escolheu o maior favorito, a barbada das barbadas. Eu tenho que escolher bem, senão…

Luís falava e abanava uma nota de cem reais. E assim ficou por mais de um minuto.

– Cobrador de ônibus e médico.

Mário surpreendeu-se com a escolha. Médico? Luís notou e cochichou:

– Veja os jornais nestes últimos dias. Leia e veja quantas UBS foram assaltadas somente esta semana.

  E olhando de forma desafiadora para Vicente ficou esperando a escolha do parceiro.

– Comerciário, escolheu Vicente.

E quase todas as profissões foram citadas. Numa folha de papel colocada em cima do balcão, Jair Sampaio fazia as anotações. Macaxeira nada conseguia entender. Mário apenas ria.

Mal o dia amanheceu Mário pegou o O INDEPENDENTE e quando pensou buscar na página de polícia os que tinham sido assaltados, parou na manchete principal do jornal.

CHEFE DE POLÍCIA TEM CARRO TOMADO EM ASSALTO NA CIDADE DE CAICÓ.

Riu, riu um riso bem aberto. Nenhum daqueles malucos tinha escolhido esta profissão. Quem poderia imaginar o próprio Chefe de Polícia sendo assaltado?

“É, a coisa está tomando um rumo esquisito. A maré de assaltos atingiu um ponto tão alto que tinha tragado até o Chefe de Polícia. Melhor eu ir passar uns dias em Santa Cruz.”

Quando passava em Jardim do Seridó, lembrou-se do Luís e do Vicente. Tinha dado zebra. Zebra grande. Mas não riu. Lembrou-se do povo de Caicó. Acelerou ainda mais o carro. Dentro de si uma dúvida. Não sabia se tinha pressa de chegar a Santa Cruz ou de se afastar de Caicó…

E lembrou-se do tempo em que caminhava pelas madrugadas estreladas e tranquilas da mais linda cidade do Seridó.

Só então percebeu que os seus olhos estavam molhados…

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