Alvaro Dias lança eixo de sua campanha para presidente: refundar a República em 100 dias

Pré-candidato a presidente pelo Podemos (antigo PTN), o senador paranaense Alvaro Dias reluta em se definir politicamente. Diz que no Brasil há muita “esquizofrenia” nas discussões entre esquerda e direita. Mas, depois de alguns rodeios, dá uma resposta titubeante: “Talvez eu seja de centro”. Trata-se da posição moderada no espectro político. Mas, para chegar ao Planalto, ele pretende apresentar ao país um projeto que pode ser considerado radical: “refundar a República”. Em apenas 100 dias. “Ou você faz no início [do governo], quando está com credibilidade plena, ou não faz mais.”

Alvaro explica a “pressa”. Sua proposta mexe profundamente com privilégios e interesses políticos e corporativos que vão unir suas forças para barrar as mudanças no Congresso. E só não farão isso se o presidente eleito tiver o apoio das ruas.

Em tempo: para o senador, “refundar a República” é reduzir profundamente o tamanho do Estado, cortar ministérios, cargos comissionados, privatizar quase todas as estatais. E também tesourar privilégios de juízes e diminuir o tamanho do Senado em um terço e o da Câmara pouco mais do que isso. E também diminuir o número de partidos.

Se alguém viu nessas propostas apenas o “lado de direita” de Alvaro, ele apresenta sua face “de esquerda”, que no fim o leva para o centro: se eleito, pretende aprovar uma reforma tributária baseada num “imposto quase único”, uma espécie de CPMF sobre movimentações financeiras, que permita que sobre mais dinheiro no bolso da população de menor renda.

Em entrevista à Gazeta do Povo, Alvaro detalha seu plano para “refundar a República”, entre uma e outra alfinetada nos adversários. Também rebate as críticas sobre sua trajetória política, que inclui sete trocas de partidos. Equilibra-se sobre as incoerências de seu partido. Posiciona-se sobre temas polêmicos: casamento homoafetivo, aborto, descriminalização das drogas, ideologia de gênero, ensino religioso nas escolas, porte de armas. E também dá pistas de qual será sua estratégia de campanha: conquistar o eleitorado do Sul e do Centro-Oeste para poder chegar ao segundo turno.

A pesquisa Datafolha divulgada no início de dezembro colocou o senhor com 4% das intenções de voto no cenário que hoje é o mais provável de ocorrer. É um índice modesto. Mas há vários casos de candidatos que se elegeram começando a disputa com porcentuais semelhantes. Além disso, a pesquisa também mostra que o senhor é conhecido por apenas 44% dos eleitores. E também há o fato de seu partido, o Podemos, ser pequeno. Qual sua estratégia para se tornar mais conhecido e vencer a eleição?

Talvez por causa da tragédia política que se instalou no país, há um desespero em busca de uma mudança. Isso antecipa o processo eleitoral e as pessoas fazem análises como se a eleição fosse agora. Mas só será em outubro do ano que vem. E, até a eleição, é possível que o quadro atual seja alterado. A questão do desconhecimento é real. Mas se o desconhecimento pode ser apontado por alguns como algo ruim, para mim é positivo. Porque, se eu tivesse assaltado a Petrobras, eu seria conhecido por 120% dos brasileiros. Hoje é conhecido quem roubou.

Além disso, a análise que se faz sobre pesquisas, a meu ver, é equivocada. Quando se diz que um candidato tem 30% de intenções de voto, são 30% em cima de apenas 30% que já decidiram em quem votar. São apenas 9%. Então o jogo não começou; a eleição está totalmente aberta. Mas há setores da imprensa que estimulam uma bipolarização entre a extrema esquerda e a extrema direita que não ocorrerá e que é extremante nociva para o país.

O senhor fala de Lula e Jair Bolsonaro?

Exatamente. Uma extrema esquerda organizada em função dos últimos anos de aparelhamento do Estado. E uma extrema direita mais desorganizada, mas ativa, principalmente nas redes sociais. Mas vai chegar um momento de reflexão, de que a tragédia nacional pode ser reeditada. De que, se a escolha for infeliz, o país continuará sangrando e a população sofrendo por tempo indefinido. Por isso eu imagino que haverá lucidez em 2018. E isso me leva a acreditar que as estruturas partidárias perderão força, até pela desmoralização dos partidos em função da Lava Jato. Nesse cenário, ganham força a forma e o conteúdo a serem apresentados na campanha.

Partidos grandes, como o PT e o PSDB, têm um “exército” de prefeitos, deputados e vereadores para virarem cabos eleitorais. É uma estrutura capilarizada que, segundo a ciência política, é fundamental para eleger um presidente. É isso que o senhor considerada que não será fundamental?

Veja o que o Datafolha diz: o eleitor quer um candidato com experiência administrativa e passado limpo. Isso é que será preponderante. Eu tenho experiência administrativa positiva. E um passado limpo. Nesses 15 anos, ninguém combateu mais o roubo que eu. Ninguém apresentou tantos pedidos de auditoria e representações ao Ministério Público e ao Tribunal de Contas da União, ingressou com tantas ações no Supremo Tribunal Federal, apresentou tantos projetos de lei no campo do combate à corrupção. Até porque a oposição foi dizimada [pelos governos do PT] e poucos restaram. Hoje, alguns que se apresentam nesse campo com valentia e, evidentemente, oportunismo estavam à sombra do poder e dele se beneficiaram, se alimentando de suas falcatruas. Hoje eles se apresentam como heróis do sertão, valentes combatentes da corrupção. Mas a população tem de cobrar: onde você estava quando o Brasil estava sendo assaltado? Combatia a corrupção ou era cúmplice ou partícipe dela?

O senhor pode citar nomes?

Por formação, eu prefiro não dizer agora, atirando pelas costas. Mas vou dizer na frente deles quando tiver a oportunidade, nos debates eleitorais.

E há também aqueles que hoje combatem privilégios, mas não abrem mão dos seus. É preciso indagar para eles: você abriu mão dos seus? Só tem autoridade para questionar privilégios quem abre mão dos seus. Eu abro mão de uma aposentadoria de ex-governador [do Paraná] que já teria rendido mais de R$ 10 milhões em 26 anos, direito líquido e certo. Eu abro mão, há mais de dez anos, da verba indenizatória e do auxílio-moradia de senador. Nas soma, por mês, eu abro mão de R$ 50 mil. E vivo as dificuldades naturais de quem banca as despesas do seu mandato com recursos próprios. Isso me autoriza a combater privilégios. E isso está ligado ao carro-chefe da nossa proposta, de ruptura com este sistema corrupto de poder.

O senhor falou em outras ocasiões que uma forma de romper esse sistema é acabando com o toma-lá-dá-cá, a barganha de espaços no governo em troca de apoio no Congresso. Praticamente todos os governos, desde a redemocratização, adotaram essa prática. Como seria possível governar sem a negociação de cargos?

Essa prática é antiga, mas foi institucionalizada pelos governos do PT. As alianças se ampliarem, a cooptação se alastrou e a oposição se dizimou. Mas esse é um desafio possível. Quando eu fui governador [de 1987 a 1991], eu fiz isso. Ninguém indicou ninguém para qualquer cargo que seja. Eu montei a minha equipe com o melhor que pude encontrar em cada área. Por isso nós terminamos nosso governo com 93% de aprovação, segundo o Datafolha. Exatamente pela qualidade técnica, que teve prevalência no momento da escolha. Eu acho que o momento mais importante de um mandato de presidente é o momento da escolha de sua equipe. Se ele escolhe bem sua equipe, com qualificação técnica, abre perspectiva de sucesso. Se ele loteia o governo, ele plantou o fracasso. Se eu chegar à Presidência, será assim, com indicações qualificadas, técnicas, suprapartidárias. Vai haver uma ruptura. Mas é preciso ter coragem. Vou contar uma história: o Itamar [Franco, ex-presidente, de 1992 a 1994] me convidou para ser presidente de Itaipu, um dos cargos mais cobiçados do país. Quando eu cheguei em Brasília, apresentei os nomes que ia nomear para as diretorias, quadros técnicos, competentes. Aí, o Itamar me falou: “Alvaro, quem vai nomear os diretores são os partidos”. Então eu recusei o cargo. Eu sempre rompi com esse sistema.

Mas, sem negociar cargos, seu governo não ficaria refém do Congresso, dos partidos? Não haveria risco de o senhor não conseguir governar?

A ruptura com esse sistema abre perspectiva de desenvolvimento do país. Porque foi com esse modelo que nasceu o mensalão, sanguessugas, gafanhoto, o petrolão. E, com o apoio da sociedade, você terá o apoio do Congresso. Porque o Congresso não rema contra a maré. Se um líder adota esse modelo, terá o apoio da sociedade. Mas o presidente tem de chegar e, ainda no calor das urnas, dizer quais as mudanças que quer fazer. E tem de ir à sociedade e tem de ter competência de se comunicar. O Plano Real, por exemplo, deu certo porque houve boa comunicação; e a população apoiou. O Brasil é um país à espera de reformas. É preciso obter o apoio das pessoas, dizer que as reformas não são contra elas, mas a favor delas.

Quais são essas reformas? Isso inclui a reforma a da Previdência? Pesquisa indicam que a maioria da população é contra a reforma da Previdência. Como obter apoio da população para reformas que muitas vezes são impopulares?

O povo é contra a reforma da Previdência porque o governo não conseguiu se comunicar bem com a população. Mas a principal reforma, que autoriza as demais, é a reforma do Estado. Eu chamo de refundação da República. Passa pela reforma de estruturas, com a redução dos quadros e do aparelhamento, eliminando paralelismo, superposição de ações, com a redução de ministérios e de estatais. Temos hoje 149 empresas estatais federais Com exceção daquelas estratégicas, do setor de energia, temos de privatizar praticamente todas elas. E reduzir o tamanho do Estado de cima abaixo: ministérios, secretarias, diretorias, departamentos, cargos comissionados. Enxugar pra valer.

E não só no Executivo. Mas também no Legislativo, que vai doer mais. Por exemplo, com a redução do Senado em um terço, cortando de 3 para 2 senadores por estado. Na Câmara, ainda tem de fazer o cálculo… Mas, quando eu fui deputado, eram 323. Hoje são 513. Podemos voltar a essa situação anterior. E, na sequência, tem de reduzir proporcionalmente o tamanho das assembleias legislativas e das câmaras de vereadores. Isso vai significar uma grande economia e vai também qualificar o Legislativo.

E ainda é necessário reduzir o número de partidos, com uma cláusula de desempenho [nas eleições] mais rigorosa do que essa que foi aprovada agora [no Congresso]. E aí a gente já começa a reforma política. Hoje temos 35 partidos representados no Congresso. Toda reunião de líderes não decide nada, vira um comício, não há consenso em nada. O processo legislativo fica comprometido.

Essas mudanças mexem ainda mais profundamente em interesses do que a simples negociação de cargos. Volto a insistir na pergunta: será possível executá-las? O Congresso não poderia boicotar seu governo?

Se o governo não tiver popularidade, sim. Se tiver popularidade, não. Mas é importante dizer que não se faz reforma para o mandato em andamento. Tem de jogar as mudanças da reforma política para frente. Isso facilita. Mas é com apoio popular e com o convencimento de que, caso contrário, o país vai ficar inviável.

O senhor falou em reforma do Estado e reforma política. Quais outras reformas têm de ser feitas?

Uma é a reforma do sistema federativo, porque há hoje uma injustiça distributiva de recursos públicos, em função de a União ter concentrado os recursos. E tem também a reforma tributária, que coloque mais dinheiro no bolso dos brasileiros.

E como seria essa reforma tributária?

A reforma tributária terá que ter como consequência a redução dos preços dos produtos essenciais para a população: combustíveis, medicamentos, cesta básica. É possível fazer e também reduzir o número de impostos e tarifas. Tem de ser um imposto quase único.

Seria um imposto sobre consumo?

A ideia é tributar menos o consumo e mais a renda. No caso, se estabeleceria o imposto sobre movimentação financeira, que estabelece a impossibilidade de sonegação. E esse imposto quase único abarcaria quase todos os tributos existentes.

Seria uma espécie de CPMF?

Sim, mas num outro modelo, porque eu fui combatente vigoroso da CPMF e posso me colocar como um dos principais responsáveis pela derrota da CPMF no Senado. Essa redução de número de tributos iria garantir maior distribuição de renda, uma dinamização da economia. E a população pagaria menos. O Imposto de Renda seria cobrado de quem ganha mais, porque o imposto sobre movimentação financeira garantiria uma receita suficiente. Vou citar um exemplo do meu governo no Paraná. Havia uma sonegação brutal no setor de carnes. O ICMS sobre a carne tinha alíquota elevada, de 17%. Nós reduzimos para 7% ou 5%, não me lembro ao certo. E a receita cresceu 300%. Ao se reduzir o imposto, eliminou-se a sonegação.

E a reforma da Previdência?

Há de se fazer uma reforma da Previdência modernizadora. Não essa reforma do governo Temer. É uma reforma simplista, que não vai alcançar os resultados propalados. Vai aumentar o emprego, a renda, receita? Eu não sei como. Por que o governo não explica.

Se a reforma de Temer chegar ao Senado, com o senhor vai votar?

Eu vou esperar ela chegar para decidir. Porque qualquer reforma é mais importante do que deixar como está. Mas uma reforma precipitada pode apenas aumentar os conflitos e pode ser nefasta ao invés de ser benéfica. Uma reforma da Previdência deve levar em conta a complexidade do país, deve considerar que a longevidade não é igual em todas as regiões do país, de que há atividades profissionais que são mais desgastantes e outras menos desgastantes. Há de se fazer uma reforma. Mas é preciso conversar com a sociedade para que ela assuma o futuro do país de forma plena.

Voltando aos cortes de privilégios. E o Judiciário? O senhor não falou nada da Justiça. Pretende propor o corte dos chamados “penduricalhos” dos salários, como o auxílio-moradia, por exemplo?

Quando alguém faz um concurso para a magistratura, ele tem de saber que vai ganhar um salário sem penduricalhos. Um magistrado bem remunerado é uma segurança de que a população vai ter um bom retorno. Então há de se remunerar os magistrados com bons salários, mas em penduricalhos. Então, quando eu falo em eliminar privilégios, isso alcançará todos os poderes. A exemplo do que nós estamos propondo com o fim do foro privilegiado. É um projeto de minha autoria de 2013, aprovado no Senado, que alcança todas as autoridades dos três poderes; e não apenas os políticos.

O salário dos juízes é adequado?

 

Há de se pensar nisso. Ele não é adequado por causa do penduricalho. Se for só o salário, é adequado. Mas essa é uma questão que pode ser discutida. Mas essa não é a discussão principal. No parlamento, primeiro temos de discutir quantidade: quantos devemos ser? Para depois discutir quando merecemos ganhar. O mesmo vale para o Judiciário: primeiro temos de discutir a composição dos quadros das cortes superiores. O modelo atual está sendo condenado pela sociedade.

No caso, o senhor propõe eleição para cortes superiores?

Seria um modelo misto: que a escolha parte do próprio mundo jurídico – e aí é preciso discutir a forma. Mas o mundo jurídico faz a lista, valorizando a meritocracia, encaminha para o presidente, que reencaminha para o Senado.

O senhor é a favor de mandato para ministros do STF?

É um assunto que pode ser discutido. Tem validade a tese.

Qual seria a ordem de proposição ao Congresso de todas essas reformas que o senhor propõe? Qual é a prioritária?

Nos primeiros 100 dias de governo, tem de apresentar o conjunto de reformas todas. Ou você faz no início, quando está com credibilidade plena, ou não faz mais. É preciso ser ágil na apresentação das propostas, na refundação da República. As grandes mudanças só ocorrem se o presidente assumir as reformas. Se eu eventualmente chegar à Presidência, vou eleger uma comissão de especialistas para elaborar os pré-projetos. E aí submeto à sociedade. E depois ao Congresso. Com isso, você foge do corporativismo. O Congresso acaba adotando a reforma que vem da sociedade.

O senhor falou em privatizar quase todas as estatais, mas disse que pretende manter algumas estratégicas. Quais?

A Petrobras, por exemplo.

Mesmo com tudo o que ocorreu na Petrobras?

Nós temos de tirar a Petrobras das mãos dos assaltantes e devolvê-la ao país.

E como impedir que os casos de corrupção na Petrobras não voltem a ocorrer?

Qualificar tecnicamente. Tem de partir do princípio de que a desonestidade na administração pública não é a regra. Ou não tem de ser a regra no futuro. E a Petrobras, se for privatizada, continuará estatal com outro idioma. Porque certamente uma estatal chinesa ou norueguesa vai comprar. Porque, em vez de gerar recursos para o país, vai gerar para outra nação. A Petrobras é uma empresa que pode gerar recursos para saúde e educação, pode alimentar o caixa do Tesouri em vez de significar uma hemorragia como nos últimos anos, porque ela foi criminosamente assltada. Certamente é uma empresa preciosa para o país, estratégica.

Leia Mais…

Escreva sua opinião

O seu endereço de e-mail não será publicado.