Artistas independentes conseguem mais indicações no Grammy Latino da pandemia

Foto:  Instagram/ Famosos e Celebridades

O anúncio dos indicados para as 53 categorias do Grammy Latino, principal premiação da indústria fonográfica da América Latina, contemplou no último dia 28 diferentes nomes da música brasileira, como Caetano Veloso, Marília Mendonça, Paulinho da Viola, Zeca Baleiro, Nana Caymmi, Martinho da Vila, A Cor do Som, Maiara & Maraisa, Fernanda Takai, Chitãozinho & Xororó, Nando Reis e Ivete Sangalo.

Mas nem só medalhões, veteranos e nomes consagrados comercialmente habitam o panteão dos indicados. Como tem sido percebido há alguns anos, a premiação abre-se cada vez mais para a música que é produzida longe das grandes gravadoras, com foco maior no mercado independente que, na última década, fortaleceu o chamado “midstream” (a “corrente do meio”, uma espécie de contraponto sustentável ao mainstream, a vertente mais comercial do mercado) brasileiro.

A lista de indicados incluiu artistas que estão há pouco tempo galgando carreiras bem-sucedidas e que atingem milhões de pessoas em todo o país, como as cantoras Luedji Luna, Giulia Be e Duda Beat, o cantor Vitor Kley, a dupla Anavitória, o trio Tuyo, o grupo BaianaSystem, a dupla de forró eletrônico Barões da Pisadinha e o pianista Zé Manoel.

Mesmo que possam ser anônimos para grande parcela da população e não estar nos elencos das gravadoras multinacionais, em programas da TV aberta ou nas paradas de sucesso das rádios, eles movimentam públicos consideráveis, que oscilam entre as centenas de milhares e as dezenas de milhões – um público que lotava shows (antes da pandemia) e devorava estes artistas principalmente nas redes sociais e plataformas de streaming.

Novos rumos do prêmio

O Grammy Latino, braço da principal premiação da indústria fonográfica norte-americana, é um prêmio recente. Surgiu no ano 2000 como uma tentativa de contemplar a ascensão da música da América Latina e países ibéricos no mercado dos Estados Unidos – basta notar que não há um equivalente europeu do prêmio.

Não é, formalmente, um evento da indústria fonográfica norte-americana – os jurados são os trabalhadores do mercado da música como um todo, de compositores e intérpretes, passando por músicos, produtores, empresários e engenheiros de som, mesmo que estes não tenham vínculo com nenhuma gravadora. Mas os resultados pareciam refletir o que povoava este mercado justamente até a virada do século, quando a internet começou a mexer no ecossistema da música.

“Acho que, quando a Tulipa Ruiz levou a estatueta em 2015, entendemos – e eu me coloco aqui como uma agente do mercado independente brasileiro – que estavam surgindo novas possibilidades”, lembra Heloisa Aidar, sócia da distribuidora digital Altafonte Brasil. “No ano seguinte, a atenção ao Grammy foi muito maior, bem como o marketing, que até ocupou os pontos de ônibus em São Paulo.”

O produtor musical João Marcello Bôscoli concorda com a mudança que vem ocorrendo na premiação nos últimos anos. “Mas não sei se é o suficiente, não sei se é uma política interna ou se isso foi como as coisas se deram.”

“Houve uma pressão, nessa década, feita por grupos, sobretudo mexicanos, para incluir uma categoria que contemplasse a produção da música urbana feita na região. Os artistas reclamaram que não estavam sendo ouvidos pelo prêmio”, acrescenta.

E é curioso, porque o hip hop já não é música alternativa faz tempo. A natureza do negócio foi mudando e não tinha muito como não perceber isso. Mudou desde o começo, mas a indústria também mudou.

João Marcello Bôscoli, produtor musical

“Esse prêmio se transforma em relação ao mercado”, pondera o empresário André Bourgeois, que administra as carreiras de artistas como Céu, Edgar, Otto, Teto Preto e Boogarins. “O streaming mudou completamente o que é lançado e os tipos de produtos que chegam ao público, fazendo com que o mainstream não esteja mais presente em todos os estilos musicais, como antigamente. Hoje, no Brasil, o mainstream é sertanejo e funk.”

Streaming mudou hábitos

O diretor-executivo da UBC (União Brasileira de Compositores), Marcelo Castello Branco, cita uma outra característica importante do cenário musical no país. “O mercado brasileiro é hiperativo e dinâmico e, além disso, agora estamos vendo o Nordeste ressurgir com muita força nacional com o piseiro”, avalia, referindo-se ao gênero popularizado pelos Barões da Pisadinha.

“Essa consolidação do midstream já é uma realidade alentadora e promissora”, afirma o executivo, sinalizando esta nova via comercial, que ganhou força na década passada, saindo do underground, mas sem necessariamente chegar ao topo do pop. “Mas precisamos parar de restringir o independente apenas ao midstream. Temos hoje independentes como Alok e Djonga, artistas que batem e ultrapassam os números de muitos artistas do tal mainstream”, completa Heloisa, Altafonte Brasil.

Outra mudança sintomática é o fato de que o streaming mudou os hábitos de audição do público, o que inevitavelmente mexeu na forma como o mercado entendia estes hábitos. Priorizando singles em vez de discos cheios, os lançamentos das grandes gravadoras nestas plataformas deixaram os discos em segundo plano.

E, embora o Grammy Latino contemple tais lançamentos, ainda mantém categorias para álbuns completos, tanto de rock como de MPB e pop, o que abre espaço para artistas independentes que ainda apostam neste formato.

“O volume desses lançamentos é enorme, mesmo eles não sendo tão populares”, observa André Bourgeois. “Assim, surgem novos pretendentes a indicações no Grammy Latino que não teriam espaço há dez anos. E também há uma explosão de novos artistas por causa do espaço que foi sendo deixado.”

“Um bom exemplo disso é o fato da Anitta não ter sido indicada neste ano”, prossegue o empresário. A funkeira carioca já recebeu seis indicações para o prêmio, mas nunca levou uma estatueta para casa. “É que ela não lançou disco, só lançou single, clipe, e isso faz com que ela acabe concorrendo com uma quantidade gigantesca de lançamentos – latinos, em geral – que lançam também nestes formatos.”

Grammy Latino abre portas

Todos concordam com o peso que a premiação – ou apenas a indicação – tem para a carreira dos artistas. “Uma simples indicação ao Latin Grammy amplifica a visibilidade do artista na região e na Espanha e em Portugal”, diz Castello Branco. “A música brasileira tem um potencial ainda muito inexplorado. Apesar do Brasil ser top 5 em qualquer plataforma digital, cerca de 99% deste consumo ainda ocorre aqui mesmo.”

Esta internacionalização, no entanto, não vem com a simples chancela de um prêmio, por mais prestígio que o Grammy Latino possa dar. “O Grammy é apenas um indicador, tem mais um efeito confirmatório”, avalia Bôscoli. “Não é como o Grammy americano, que, quando um álbum ganha o prêmio, a venda triplica.”

“E o artista só conquista outro mercado se ele tem presença”, acrescenta o produtor. “A gente conhece o Julio Iglesias não só porque os discos foram lançados aqui, mas ele gravou em português, veio pro Brasil, uma, duas, três vezes, gravou com artista local. Não dá pra você achar que, mesmo com o mundo digital, você vai ter uma presença sem fazer nada.”

Como Julio Iglesias, outros artistas brasileiros – tão diferentes quanto Tom Jobim, Roberto Carlos, Nelson Ned e Paralamas do Sucesso – só conseguiram entrar no mercado estrangeiro quando decidiram se dedicar integralmente a isso.

“Só a indicação ao Grammy Latino abre muitas portas para você continuar a crescer dentro da indústria”, concorda Bourgeois. “Mas depende de tantos fatores para crescer uma carreira que tem muitos artistas que tiveram indicações e não fizeram nada depois.”

Quando você inclui no seu release que você foi indicado ao Grammy Latino, você consegue mais atenção. André Bourgeois, empresário da cena musical
“Pra mim, a indicação já é um prêmio. Você já entra em um clube”, conclui.

Prêmio em meio à pandemia

André também reforça a importância das indicações no momento tão pesado que se abateu sobre o mercado da música por conta da pandemia. “Essas indicações funcionam como energia e coragem para recarregar as baterias de um monte de artistas que tiveram carreiras destruídas com essa situação”, comemora.

“Fiquei super feliz com essas indicações, como o Zé Manoel, que fez um disco muito bonito e vai ser muito legal por vê-lo com essa energia agora. Pra mim, ele já ganhou. Só o fato de ele ter conseguido ser indicado ao Grammy, com todo o esforço que ele teve para fazer um disco como aquele, no meio dessa situação da pandemia, já é uma vitória e tanto, uma notícia ótima!”

“Esse Grammy tem essa importância por causa desse aspecto catastrófico do que parou o mercado”, acrescenta o empresário. “Um prêmio chegando a essas pessoas, que ficaram condenadas a não tocar e a ver todo mundo em volta delas sofrendo, o mercado completamente desesperado. Já é o melhor Grammy de todos os tempos!” POR CNN BRASIL

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