Bandido bom é bandido morto, será?

Mais da metade da população brasileira concorda com a afirmação de que “bandido bom é bandido morto”. Na última quarta-feira (2), o instituto de pesquisa Datafolha divulgou o levantamento feito para o Fórum Brasileiro de Segurança Pública que mostrou que 57% dos brasileiros concordam com a tolerância zero para criminosos. Mas, enquanto a população clama por punições pesadas, o ordenamento jurídico brasileiro vem na contramão e traz uma série de garantias ao acusado como a presunção da inocência e o devido processo legal, previstos na Constituição Federal.




A disparidade entre a visão popular e o que prevê a legislação tem alguns motivos apontados por penalistas: o anseio por mais segurança pública e a decepção com o sistema existente, já que poucos crimes são resolvidos; a falta da percepção de que as garantias do direito penal são para todos os cidadãos e a qualquer momento qualquer pessoa pode precisar delas; e também ainda há pouca percepção de que mesmo aqueles que são culpados precisam ter a oportunidade de se defender para que respondam proporcionalmente ao que fizeram.

Mesmo com os clamores populares, no Brasil não existe pena de morte, exceto em caso de guerra. E apesar de leis penais antigas – o Código Penal Brasileiro é de 1940 e o Código de Processo Penal, de 1941 – a Constituição Federal de 1988 prevê garantias mais amplas aos suspeitos. O Artigo 5.º, que trata das garantias fundamentais, diz que ninguém será privado da liberdade sem o devido processo legal e que os acusados em processos judiciais têm assegurados o direito ao contraditório e à ampla defesa.

Violência

O advogado Guilherme Ziliani Carnelós, diretor do Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD), considera que a incompatibilidade da maioria da população com as garantias dos acusados se deve ao sentimento de impunidade e à falta de confiança no sistema jurídico. “Há o sentimento de impunidade relacionado à demora do Judiciário para que uma decisão definitiva aconteça, e o sentimento de decepção com o sistema. Mas essa decepção não pode ser suprida pelo julgamento sumário sem direito à prova e sem direito a um olhar imparcial”, diz Carnelós.

O jurista René Ariel Dotti também atribui a postura intolerante da população ao sentimento de insegurança. Para ele, o Brasil vive uma epidemia de crimes com poucos atores públicos – de policiais a juízes – para responder à demanda. “É como se houvesse uma grande epidemia de uma doença grave atendida por poucos médicos e enfermeiros”, diz Dotti. “O número de crimes aumenta consideravelmente, mas não é falha da legislação. O problema é a demora para a aplicação da lei.”

O advogado especialista em direito penal Cal Garcia acrescenta que o Brasil é um país de cultura violenta, não apenas da violência disseminada na sociedade, mas também de violência institucional.

O bandido é o outro

Thiago Bottino, professor de direito penal da FGV Direito Rio, avalia que, ao apoiarem a aplicação de medidas extremas a quem pratica crimes, as pessoas nunca imaginam que elas mesmas poderão precisar. “O que incomoda nas pessoas é sempre o crime do outro, a corrupção do outro e não o delas próprias”, diz o professor da FGV.

“Tem o sujeito que viola direito autoral, sonega imposto, que são condutas também consideradas crimes, mas se justifica dizendo que não recebeu o que deveria do Estado. Mas quem furta foi atendido pelo Estado?”, questiona Bottino, acrescentando que nenhuma dessas condutas é justificável.

O penalista Cezar Bitencourt ressalta a necessidade das garantias penais, especialmente para os que não são culpados, mas que podem estar no lugar errado e na hora errada. “As garantias fundamentais do cidadão estão na Constituição e são a base sólida de qualquer Estado Democrático de Direito. Não são exclusivas dos ‘bandidos’, acusados ou simplesmente dos culpados, mas fundamentalmente dos inocentes, dos cidadãos de bem, assegurando que todo indivíduo é inocente até prova em contrário, ou seja, até ser declarado culpado através de sentença penal condenatória, com trânsito em julgado”, explica Bitencourt.

Garcia observa que mesmo aqueles que tenham de fato cometido crimes têm direito a ser julgados proporcionalmente ao que fizeram. “Ainda que culpada, a pessoa tem direito a ser punida pelo que efetivamente fez”, diz Garcia.

Sistema carcerário

Garcia acrescenta que no Brasil “prende-se muito e prende-se mal”. “Ao mesmo tempo em que há muitos presos provisórios, que ainda não foram sentenciados, há crimes efetivamente graves que passam a impressão de que não são punidos.”

Bottino observa que há alternativas à prisão e que o objetivo é que as pessoas se tornem melhores após cumprirem as penas. “O sujeito que acha que tem que prender nunca colocou o pé em uma prisão”, diz o professor da FGV-Rio.

Um levantamento sobre reincidência criminal feito pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) em 2015 mostra que 6,6% do reincidentes haviam passado por penas alternativas, enquanto 89,3% tiveram pena privativa de liberdade. “Essas pessoas que estamos encarcerando vão voltar para a sociedade e vão voltar piores”, aponta Bottino.

GAZETA DO POVO

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