Corte de quase metade das verbas em ciência compromete pesquisas de zika até câncer

Se a ciência brasileira fosse uma pessoa, ela hoje estaria internada na CTI e respirando por aparelhos. Este quadro, considerado “dramático” por especialistas consultados é resultado de sucessivos cortes orçamentários nos últimos anos. Em 2017, o Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC) sofreu um corte de 44% do orçamento que estava previsto para este ano.

“Agora a gente está brigando para manter os tubos de soro, a alimentação e os remédios essenciais à sobrevivência do paciente”, explica Ildeu de Castro Moreira, presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), que se juntou a outras entidades científicas para tentar reverter esta tendência no orçamento de 2018.

“Os cortes na ciência mostram uma falta total de percepção do que é importante e o que não é para o desenvolvimento de uma sociedade”, opina João Fernandes Gomes de Oliveira, vice-presidente da Academia Brasileira de Ciências (ABC).

Os investimentos em ciência no Brasil são feitos majoritariamente pelo Governo Federal via MCTIC, responsável por dezenas de unidades de pesquisas em todo o país, laboratórios em universidades e bolsas de estudo cedidas pelo CNPQ. Esses recursos são distribuídos de forma abrangente e chegam a centros de pesquisas que fazem os mais importantes trabalhos científicos do Brasil. É o caso, por exemplo, dos estudos desenvolvidos na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) sobre o vírus da Zika e da microcefalia que abrem o caminho para a eliminação destas doenças. Estas pesquisas foram publicadas em revistas internacionais, mas hoje correm o risco de serem interrompidas pela falta de insumos biológicos, segundo especialistas. Laboratórios começam a parar.

As cifras destinadas nunca foram altíssimas: em 2010, o orçamento do MCTIC teve um pico de aproximadamente 8,6 bilhões de reais  — corrigido pela inflação, o equivalente a 10 bilhões de reais hoje. Em 2017, já com a pasta de Comunicações incorporada em sua estrutura, o ministério contou aproximadamente com apenas 3,3 bilhões. Estavam previstos 5,8 bilhões inicialmente, isto é, 44% a mais, segundo admite o próprio MCTIC. “E cerca de 700 milhões vão para Comunicações. Isso significa que Ciência e Tecnologia fica com uns 2,5 bi. É 25% do orçamento de 2010, o que significa que você dividiu por quatro a sua capacidade de execução”, explica Oliveira, da ABC.

A restrição orçamentária chamou a atenção da comunidade científica internacional e mereceu um artigo na prestigiosa revista Nature. 23 ganhadores do Prêmio Nobel chegaram a enviar uma carta ao presidente Michel Temer(PMDB). Em julho, o ministro do MCTIC, Gilberto Kassab (PSD), instou a comunidade científica a utilizar meios de comunicação e pressionar o Congresso e o próprio Governo para conseguir mais verbas. Na ocasião também taxou a lei do teto de gastos de “draconiana”.

Entretanto, para 2018 está previsto um corte de mais 25% no orçamento do ministério, que já representa “uma fração muito pequena de um monstro orçamentário que é o governo brasileiro”, segundo Oliveira. As entidades científicas enviaram na última segunda-feira uma carta para representantes do Congresso Nacional demandando que o orçamento do ano que vem permaneça igual ao de 2017 — antes de ser reduzido em 44% — e que ainda se acrescente mais 10%. O objetivo é que os investimentos comecem a voltar. “Se você tira o dinheiro de ciência e tecnologia, você não resolve o problema financeiro do país. É como se eu tivesse um problema de finanças em casa e decidisse parar de tomar o remédio pro coração que custa um real, ao invés de cortar contas com viagem e restaurante. Esta é a nossa sensação”, diz Oliveira.

Além do MCTIC, a ciência brasileira também depende de fundações estaduais de amparo a pesquisa — muitas delas com graves dificuldades financeiras, como a FAPERJ, no Rio — e da fundação Capes, organismo vinculado ao Ministério da Educação (MEC) que é responsável por cursos de pós-graduação e bolsas de estudo. Neste último caso os cortes foram menores.

Quais são os efeitos dessas tesouradas? “Em primeiro lugar, não tem nenhum projeto de pesquisa novo. E se tem, não está recebendo dinheiro. Já os projetos antigos estão com atrasos. Além disso, houve uma redução de bolsas e os programas vão formar menos mestres e doutores”, explica Oliveira. Tanto ele como Moreira também citam a fuga de cérebros. “Os laboratórios começam a parar, mestrados e doutorados ficam atrasados e os jovens e pesquisadores acabam atraídos pela carreira no exterior. Tem gente segurando, mas que certamente vai embora se esta situação perdura”, explica o presidente da SBPC. A longo prazo, significa a interrupção de linhas de pesquisas que demoram anos para serem desenvolvidas e que trariam resultados práticos no futuro.

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