DEBANDADA: Quatro em cada dez desistem dos aplicativos por conta da alta dos combustíveis

Essa foi a última semana que o motorista Alexsander Fernandes, 28, carregou um passageiro no carro. Pai de dois filhos, ele não teve como continuar na profissão depois de mais de seis anos como motorista de aplicativo. “Não dá, eu rodava das 6h às 23h e sobrava R$ 1.500, tirando os gastos. Não quero mais, vou trocar a minha carteira, trabalhar com caminhão de reboque e tentar ter pelo menos o que comer”, desabafa o motorista. 

Assim como Alexsander, essa foi a decisão de pelo menos 40% dos motoristas em aplicativos cadastrados em Minas Gerais só neste ano, segundo o Sindicato dos Condutores de Veículos que Utilizam Aplicativos no Estado (Sicovapp).

De acordo com a presidente da entidade, Simone Almeida, muitos motoristas estão deixando a profissão por causa das altas nos combustíveis. Só neste ano, a gasolina já sofreu nove aumentos e o valor atual já chega a R$ 6,10 na maioria dos postos da capital.

O etanol também sofreu reajuste e pode ser encontrado por quase R$ 4,57 o litro. Em janeiro, o preço médio da gasolina, em Belo Horizonte, era de R$ 4,64 e do etanol R$ 3,21. 

“Nem carro a gás compensa, eu pagava R$ 2 ano passado e agora já pago R$ 4,30. Muitas pessoas perdiam o emprego e iam buscar o sustento da família no aplicativo, agora nem isso consegue ser opção. Temos pais de famílias trabalhando 18 horas para ter o que comer em casa. Enquanto isso, as empresas não aumentam o valor da corrida e mantêm a mesma taxa, como se nada estivesse acontecendo”, indaga Simone. 

As plataformas alegam que as demandas têm aumentado durante a pandemia. De acordo com a Uber, os ganhos de quem dirige com o aplicativo têm sido os maiores desde o início do ano. Em Belo Horizonte, segundo a empresa, os parceiros que dirigiram por volta de 40 horas ganharam, em média, de R$ 1.100 a R$ 1.200 na semana. Mas quem é motorista tem visto outra realidade na prática. 

De acordo com o sindicato que representa a categoria, do gasto diário de um motorista, a gasolina representa até 50% dos custos. Enquanto, a taxa paga aos aplicativos gira em torno de 25%, para boa parte dos condutores, há ainda o pagamento de parcelas do veículo ou locação. Esse é o caso do Clauderman Duarte, 27, que depois de três anos como motorista pretende deixar as plataformas o quanto antes. “Eu quis ser motorista para ter liberdade de horário e acabo trabalhando 13 horas por dia para ter o mínimo, nem vejo minha filha mais”, lamenta o motorista, que pretende agora ser motorista de ônibus. “Estou terminando o curso, não vou ter mais aluguel de carro para pagar, quero ter pelo menos uma vida digna, porque o que fazem com a gente é falta de respeito”, pontua. 

A situação se repete entre os entregadores de delivery. O motoboy Felipe Zuppo, 33, deixou as plataformas há um meses e decidiu trabalhar por conta própria. “O preço que se recebe e o preço que se paga… não fecha a conta. Tirei essa intermediação. Me mudei para Brumadinho, porque vi que no interior, nas cidades mais afastadas, a concorrência acaba sendo menor. Tive que sair do bolo, porque senão eu ia acabar desistindo da profissão que eu amo e não queria parar”, desabafa. 

Gasolina pode chegar até R$ 7 o litro

Para quem precisa do carro, o economista Feliciano Abreu, diretor do site de pesquisa Mercado Mineiro, não tem boas notícias. “Não tem para onde correr, porque a tendência é chegar a R$ 7 até o fim do ano a gasolina, a perspectiva é de altas por conta do dólar e do barril do petróleo. O Etanol não é mais opção viável também, a produtividade não foi boa e o produtor está preferindo vender açúcar, e o gás como não tem concorrência, acaba ficando tabelado também”, explica o economista, que dá a única dica possível.

“Se puder, ande menos de carro, reduzir o consumo. A história é consumir menos e deixar sobrar mais nos postos para o preço cair”, citando o exemplo do começo da pandemia, quando a gasolina chegou a ficar quase 9% mais barata devido a não demanda. Na época, o etanol também caiu 12,81%.

Sem corrida.
No prejuízo. Os consumidores também têm ficado na mão. Usuários relatam que cada vez está mais difícil conseguir ter uma corrida aceita nos aplicativos. Os motoristas concordam e explicam que além da falta de condutores, os remanescentes passaram a selecionar viagens que sejam mais rentáveis por conta do aumento de preço de combustível.

“Precisamos filtrar quando a corrida é curta, quando o deslocamento até chegar ao passageiro é longo. Não vale a pena, assim como aceitar corrida promocional. Eu prefiro ficar parada e deixar passar 10 chamados do que ficar no prejuízo”, afirma a motorista e presidente do Sicovapp, Simone Almeida. 

“Dois pesos, duas medidas”

Em entrevistas recentes e em suas redes sociais, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) tem criticado o preço dos combustíveis e afirmado que o governo federal não é o “vilão” pelo valor final pago pelos motoristas. Uma das bandeiras do presidente, inclusive, é a redução do ICMS cobrado sobre os combustíveis pelos Estados.

“O ICMS cobrado aqui é uma vergonha realmente, mas os aumentos são culpa do governo federal, que visa ser uma empresa saudável, pagar os investidores e o consumidor com isso acaba pagando no combustivel o mesmo preço que país rico paga”, analisa o economista Feliciano Abreu, que compara os reajustes sofridos no valor da gasolina e do etanol com as altas do diesel.

“Não subiu tanto quanto a gasolina. É um setor que faz pressão, paralisa, e o consumidor comum acaba pagando gasolina mais cara, são dois pesos e duas medidas. Era preciso que fosse dada as mesmas isenções que os caminhoneiros têm aos motoristas de aplicativo e para os taxistas”, defende o especialista.

Neste ano, Bolsonaro zerou os tributos federais – PIS e Cofins – do óleo de março ao fim de abril, em esforço para conter a insatisfação dos caminhoneiros.

Procurado, o governo de Minas informou que as alíquotas do ICMS dos combustíveis no Estado não passaram por alterações recentemente e destacou que os últimos reajustes nos valores dos combustíveis não se devem ao imposto cobrado pelo Estado, mas, sim, à política de preços adotada pela Petrobras.

Questionada sobre a possibilidade de redução das atuais alíquotas do ICMS dos combustíveis, a Secretaria de Estado de Fazenda afirmou que “em virtude da atual situação econômico-financeira do Estado, a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) determina que qualquer medida que se reverta em perda de arrecadação deve ser seguida de uma ação compensatória de igual prazo e valor”. 

Até o fechamento desta edição, a estatal e o governo federal não se manifestaram. 

Empresas.
99. A empresa afirmou que não registrou alteração no número de motoristas cadastrados, mas sim aumento de demanda pelo serviço.

Sobre os constantes reajustes no preço do combustível, a companhia informou que lançou um pacote de medidas para oferecer possibilidade de renda para os parceiros. Uma das ações foi zerar a taxa de intermediação cobrada dos motoristas em determinadas viagens. Segundo a empresa, taxa zero é aplicada em dias e horários específicos em todas as categorias de transportes, menos táxis. 

Quanto à transferência dos valores das corridas aos parceiros, a 99 esclareceu que a taxa praticada na plataforma é revertida em mais investimentos, em segurança, novos produtos e campanhas de incentivo à demanda. 

Uber. Em nota, a Uber afirmou que vem acompanhando os aumentos de preço dos combustíveis nos últimos meses e tem intensificado esforços para ajudar os motoristas parceiros a reduzirem seus gastos.

A empresa americana declarou que já possui algumas medidas de auxílio, como parceria com a rede de postos Ipiranga, com o aplicativo “abastece-aí” para cashback e com a operadora Surf Telecom para descontos no consumo de dados dos aplicativos no plano pré-pago contratado.

Ifood. Procurada, a companhia informou que iria se manifestar por meio da Associação Brasileira de Mobilidade e Tecnologia (Amobitec). A entidade, por sua vez, afirmou que entende as consequências do aumento do valor dos combustíveis e trabalha para ajudar os motoristas e entregadores cadastrados a reduzir seus gastos fixos, embora afirme que a variação de preço dos combustíveis “fuja do controle das plataformas”.

Entre as medidas para auxiliar a reduzir custos, segundo a associação, estão convênios com postos de gasolina para oferecer desconto aos parceiros dos aplicativos no abastecimento dos veículos, além de parcerias com empresas para oferecer preços especiais em peças, acessórios e manutenção.

Em relação às taxas das empresas, a Amobitec destacou que em nenhum momento houve a redução na remuneração dos parceiros, “mesmo em um período de instabilidade econômica do país”. 

Rappi. Até o fechamento desta edição, a empresa não havia se manifestado.

A peso de ouro
Entenda o reajustes no valor do combustível nos últimos meses

– Brasil
Variação

– Janeiro a julho – 2020
Gasolina: – 8,86
Etanol: – 12,81

– Janeiro a julho – 2021
Gasolina: 27,51
Etanol: 34,69

– Preço da gasolina pelo país 
Estado / Preço médio / preço mínimo / preço máximo

Rio de Janeiro / R$ 6,486 / R$ 5,899 / R$ 7,059
Acre / R$ 6,450 / R$ 6,190 / R$ 7,130
Distrito Federal / R$ 6,357 / R$ 6,299 / R$ 6,399
Goiás / R$ 6,274 / R$ 5,870 / R$ 6,679
Minas Gerais / R$ 6,185 / R$ 5,899 / R$ 6,759

– Preço do combustível na região metropolitana de BH 
Combustível / Preço médio / Maior preço / Menor preço

Gasolina/ R$ 6,100 / R$ 6,499 / R$ 5,899
Etanol / R$ 4,576 / R$ 4,899 / R$ 4,299
Diesel / R$ 4,707 / R$ 5,099 / R$ 4,497

– 31,21 foi o aumento médio da gasolina em BH nos últimos 6 meses
– No caso do etanol, o aumento foi de 42,33%  
– 1,62% foi o aumento no preço médio do diesel este ano 

– Composição do preço da gasolina comprada pelo consumidor
Fatia da Petrobras: 33,3%
ICMS: 27,8%
Custo do etanol anidro: 16,3%
CIDE e PIS/PASEP e CONFINS (tributos federais): 11,6%
Distribuição e revenda: 11%

Saiba como economizar
– Fique atento à qualidade do combustível, para que o carro tenha melhor desempenho
– Crie soluções para usar menos o carro 
– Faça uma planilha com os gastos relacionados ao ir e vir e compare os valores  
– Troque informações com amigos e familiares sobre valores e locais de abastecimento 
– Privilegie postos que estão mais próximos da sua casa, do seu local de trabalho ou de onde você regularmente transita 
– Quando se fala em questão financeira, optar por um carro econômico pode gerar um gasto menor 

Fonte:Petrobras, Mercado Mineiro, Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis e IBGE

Escreva sua opinião

O seu endereço de e-mail não será publicado.