Dez meses após massacre, Alcaçuz possui quase o dobro de presos; 16 ainda estão ‘sumidos’, revela Sejuc

O ‘massacre de Alcaçuz’ – o mais sangrento episódio do sistema prisional potiguar – completa 10 meses nesta terça (14). Ao final da matança, pelo menos 26 corpos foram encontrados. Destes, 15 estavam decapitados. Outros, além de esquartejados, estavam completamente carbonizados. Dar nomes aos mortos não foi fácil. A propósito, dois corpos ainda aguardam identificação por exames de DNA. Mas, o que aconteceu com os 54 detentos que não foram localizados após a retomada da penitenciária? Quantos e quem serão responsabilizados pela matança? São respostas que o governo tem dificuldade para responder.

Na época do massacre, Alcaçuz possuía algo em torno de 1.200 presos. Hoje, segundo a Secretaria de Justiça e da Cidadania (Sejuc), órgão responsável pelo sistema carcerário, somente no PV5 (Presídio Rogério Coutinho Madruga) são 1.105 detentos. Já em todo o complexo, juntando Alcaçuz e o Rogério Coutinho, são 2.116 presos.

A Sejuc também afirma que dos 54 presos considerados desaparecidos e/ou fugitivos, 35 foram recapturados e 3 mortos nas ruas. Os nomes, no entanto, não foram revelados. Ou seja, de acordo com a secretaria, resta encontrar 16 detentos. Os nomes dos ‘sumidos’ também não foram divulgados.

G1 questionou o motivo do segredo, mas a assessoria de comunicação do governo não explicou. Disse apenas que a decisão de não revelar nomes foi tomada pelo secretário Luis Mauro Albuquerque Araújo, titular da Sejuc.

“Alcaçuz é uma unidade transformada, que segue o novo modelo de administração penitenciária implementado pela Sejuc. Desde a retomada, a unidade passou por uma completa adequação baseada no tripé: adoção de procedimentos padrão, valorização dos agentes penitenciários e reestruturação física, com investimentos na ordem de mais de 3 milhões de reais”, disse a Sejuc em nota.

Como melhorias, a secretaria acrescentou que Alcaçuz possui um serviço de atendimento médico-odontológico permanente e psicólogo. “Lá, também foi desenvolvido o projeto pioneiro no país de erradicação de escabiose em toda a unidade prisional. Há ainda suporte religioso de duas a três vezes por semana”.

Guerra de facções

Titular da Divisão de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP), o delegado Marcos Vinícius acredita que o massacre foi motivado pela disputa de poder envolvendo duas facções criminosas rivais que atuam dentro e fora dos presídios do estado. De um lado, o Primeiro Comando da Capital, o PCC. Do outro, o Sindicato do Crime do RN.

Ainda em meio à matança, a PM conseguiu entrar em Alcaçuz e retirou 5 presos. Os cinco foram apontados como chefes do PCC dentro da unidade e transferidos para o Presídio Federal de Porto Velho, em Rondônia. São eles:

  1. João Francisco dos Santos, ‘Dão’, 30 anos. Condenado a 39 anos por ter matado o radialista F. Gomes, em Caicó. É natural de Caicó/RN.
  2. José Cláudio Cândido do Prado, ‘Doni’, 37 anos, nascido em 10/09/1979, natural de Campo Grande/MS. Condenado a 75 anos de prisão pela prática dos crimes de homicídio, roubo e tráfico de drogas.
  3. Paulo Márcio Rodrigues de Araújo, 31 anos: É preso provisório, ainda não foi condenado. É da cidade de Ipanguaçu/RN.
  4. Tiago de Souza Soares, ‘Decinho’, 30 anos, nascido em 05/12/1986, natural de Mossoró/RN. Condenado a 38 anos e seis meses pela prática dos crimes de homicídio e tráfico de drogas.
  5. Paulo da Silva Santos, ‘Paulo Fuzil’, 42 anos, nascido em 29/08/1975, natural de Linhares/ES. Condenado a 32 anos pelos crimes de extorsão e tráfico de drogas.

“Este cinco foram indiciados pelos homicídios que aconteceram durante as rebeliões em Alcaçuz. Porém, as investigações continuam”, ressaltou o titular da DHPP. Quanto ao prazo para a conclusão do inquérito, Marcos Vinícios preferiu não arriscar uma data. “Estamos trabalhando. É mais prudente dizer assim”, pontuou o delegado.

Já os processos que tratavam dos danos causados ao patrimônio público – em razão da destruição quase que completa da penitenciária – estes acabaram arquivados. Segundo a Polícia Civil, 111 presos chegaram a ser indiciados pela quebradeira, mas o juiz Rainel Batista Pereira Filho decidiu por extinguir qualquer possibilidade de punição por considerar que faltaram elementos que atestassem a materialidade e indícios de autoria. A decisão do magistrado também mandou arquivar as acusações de associação criminosa, resistência, motim, apologia ao crime, porte ilegal de arma de fogo e tráfico de drogas.

A Penitenciária Estadual de Alcaçuz tem 19 anos. Fica em Nísia Floresta, cidade da Grande Natal. O massacre aconteceu no final da tarde do dia 14 de janeiro, quando membros de duas facções criminosas rivais se digladiaram. Começou quando detentos do pavilhão 5, dominado pelo ‘Primeiro Comando da Capital’ (PCC), invadiram o pavilhão 4. Lá estavam presos que fazem parte do ‘Sindicato do Crime do RN’. Dos 26 presos mortos no confronto, 24 tombaram dentro do PV4. Em março, o G1 entrou no PV4 e filmou o palco do matança.

Muro e pavilhões desocupados

Ainda em meio ao caos, uma das medidas adotadas pelo Estado para a retomada de Alcaçuz foi dividir a penitenciária ao meio. Inicialmente, contêineres foram empilhados separando as facções rivais. De um lado, ficaram os pavilhões 1, 2 e 3, com os presos do ‘Sindicato’. Do outro, os pavilhões 4 e 5, com os do PCC. Posteriormente, já com o complexo dominado pelos agentes, um muro de concreto com quase 100 metros de comprimento por 6 metros de altura foi erguido no lugar da estrutura de ferro.

O primeiro a passar pelas reformas foi o Pavilhão 5. Ficou pronto em março, assim que a Sejuc transferiu todos os presos dos pavilhões 1, 2 e 3 para lá. Os grupos foram dividos em alas. Na época, o PV5, que tem capacidade para 402 detentos, chegou a suportar 1.200 homens. Para que os rivais não voltassem a se matar, foi preciso empregar um contingente de aproximadamente 100 agentes penitenciários que foram enviados para o RN pelo governo federal como reforço.

No dia 2 de maio, a reforma do pavilhão 3 foi concluída. Até então, ele é o único para onde os internos retornaram após a conclusão das reformas. Segundo a Sejuc, o PV1 também tem presos, mas foi ocupado com presos provisórios que estavam nos Centro de Detenções Provisória (CDPs) que foram fechados pela secretaria. Já os pavilhões 2 e o 4 seguem desocupados.

O PV2, a Sejuc disse que só será reocupado quando houver agentes suficientes para garantir a vigilância e segurança dos presos. O PV4, o palco da matança, a secretaria informou que está em processo de levantamento de custos para fazer uma reforma no local.

24 mortos identificados

Exames de DNA realizados em julho, em Salvador, deram positivo para a comparação de material genético fornecido por familiares de dois presos mortos no massacre de Alcaçuz. Com isso, dos 26 mortos em janeiro, apenas dois continuam sem identificação.

Um destes dois – cujo corpo foi encontrado carbonizado, e cujo resultado do exame deu negativo – será submetido a novo teste. Amostras de material genético do cadáver e de uma outra família serão colhidas e novamente enviadas para comparação no laboratório do Instituto de Medicina Legal de Salvador, já que a polícia técnica do RN não possui equipamentos para este tipo de exame. Contudo, ainda não há previsão de quando este novo material será enviado.

Outro preso morto e que ainda não foi identificado, foi enterrado já algum tempo. O corpo não estava carbonizado, mas foi sepultado como indigente porque não apareceram parentes para reclamar por ele.

Confira a lista completa dos presos mortos em Alcaçuz já identificados pelo Itep:

  • Anderson Barbalho da Silva
  • Anderson Mateus Félix dos Santos
  • Antônio Barbosa do Nascimento Neto
  • Caio Henrique Pera de Lima
  • Carlos Clayton Paixão da Silva
  • Charmon Chagas da Silva
  • Cícero Israel de Santana
  • Diego Felipe Pereira da Silva
  • Diego Melo de Ferreira
  • Eduardo dos Reis
  • Felipe Rene Silva de Oliveira
  • França Pereira do Nascimento
  • Francisco Adriano Morais dos Santos
  • George Santos de Lima Júnior
  • Jefferson Pedroza Cardozo
  • Jefferson Souza dos Santos
  • Jonas Victor de Barros Nascimento
  • José Marcelo da Cruz
  • Lenilson de Oliveira Melo Silva
  • Luiz Carlos da Costa
  • Marcos Aurélio Costa do Nascimento
  • Marlon Pietro da Silva Nascimento
  • Tarcísio Bernardino da Silva
  • Willian Anden Santos de Souza

Custos

A recuperação do complexo penal de Alcaçuz/Rogério Coutinho Madruga foi orçado em aproximadamente R$ 3,2 milhões. Segundo a Secretaria de Infraestrutura, somente na reforma dos pavilhões 1, 2 e 3 (mais a construção de uma cerca na área externa) foram gastos R$ 2.693.214,20. Outros R$ 600 mil foram aplicados na reconstrução do pavilhão 5, de acordo com a Secretaria de Justiça e da Cidadania.

Calamidade

O sistema prisional potiguar está em calamidade desde março de 2015, quando uma série de rebeliões destruir 14 das 33 unidades que estado mantinha até então. O último decreto foi publicado em agosto e tem validade de 180 dias.

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