Epidemiologistas dizem que ‘parece que presidente não quer que a vacina aconteça’ e que exigir termo de responsabilidade ‘não faz sentido’; advogado fala em ‘burocracia’

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O presidente Jair Bolsonaro afirmou na noite desta segunda-feira (14) que deverá assinar, nesta terça (15), uma medida provisória para abrir crédito para a compra de vacinas contra a Covid-19 e outra MP que determinará que a vacina – qualquer uma que for adotada no Brasil – não será obrigatória e que irá exigir de quem tomá-la a assinatura um termo de responsabilidade. O procedimento, porém, não foi adotado em nenhuma parte do mundo, e especialistas reagiram.

No último sábado, o governo federal entregou ao Supremo Tribunal Federal (STF) um plano de imunização com previsão de 108 milhões de doses para grupos prioritários. Serão 51 milhões de pessoas de grupos prioritários, divididos em quatro fases. Para essas primeiras fases, o governo planeja usar doses da vacina produzida pelo laboratório AstraZeneca em parceria com a Universidade de Oxford. O governo fez acordo para receber 100,4 milhões de doses dessa vacina até julho de 2021.

Nesta segunda-feira, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) divulgou que analisará em um prazo de até 10 dias pedidos para o uso emergencial de vacinas. Atualmente, a compra de vacina mais avançada no país é a feita pelo estado de São Paulo, que adiou para 23 de dezembro o envio do resultado dos testes da vacina Coronavac no Brasil à Anvisa. A previsão inicial era de que os documentos fossem enviados até esta terça-feira (15).

O advogado e diretor-executivo do Instituto Questão de Ciência (IQC), Paulo Almeida, a epidemiologista Carla Domingues, que coordenou o programa nacional de imunizações, e a professora da UFES Ethel Maciel criticaram o plano do presidente de exigir termo de responsabilidade de quem tomar vacina.

“Extremamente infeliz e irresponsável essa fala do presidente quanto a uma medida provisória que vai exigir de indivíduos que tenham interesse em se vacinar contra a Covid assinatura de um termo de responsabilidade”, disse Paulo Almeida.

“Primeiro porque isso não é necessário desde que a vacina tenha aprovação, seja extraordinária, seja regular de registro de autoridades sanitárias competentes…. E, segundo, porque isso, em última instância, vai diminuir a cobertura vacinal em função da pessoa que quando for à UBS tomar a sua vacina tenha que assinar um termo”, disse Paulo Almeida.

“Eventualmente vai fazer com que várias pessoas desistam de tomar vacina por excesso de burocracia”, acrescentou o advogado.

Termos de compromisso em estudos clínicos

Carla Domingues lembrou que “esses termos são utilizados em estudos clínicos em que o pesquisador ainda não sabe a segurança daquele produto que ele está entregando para o voluntário da pesquisa. Então ele é fundamental neste processo, em que você ainda não conhece a segurança do produto”.

“Quando a vacina passou pelo estudo de fase 3, já se tem um resultado da qualidade e da segurança e da eficácia [da vacina]. Não justifica no programa de vacinação pedir um termo de consentimento. Parece que o presidente não quer que a vacina aconteça no nosso país. Ele está jogando contra a população que quer buscar a vacinação”, afirmou Carla Domingues. De acordo com Carla Domingues, não há razão para o presidente exigir termo de responsabilidade. “Nós estamos falando de uma vacina que já vai ter um registro da Anvisa, que terminou a fase três, que já mostrou que ela é uma vacina segura. Portanto, não se justifica fazer isso. Qual é o objetivo de fazer um termo desse? Isso vai inviabilizar qualquer campanha de vacinação”.

“Ao invés de ir para televisão, ir para mídia para fazer uma campanha de esclarecimento, da importância da vacinação, ele coloca que a vacina não é importante, que a vacina vai fazer mal a saúde e que a população não deve se vacinar”, criticou a epidemiologista.

A também epidemiologista e professora da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) Ethel Maciel afirmou que o termo que Bolsonaro quer exigir não faz sentido.

“Precisamos estabelecer onde as pessoas devem ir caso ela apresente algum sinal ou sintoma [após a vacinação]. Precisamos estabelecer e deixar de forma bem transparente para a população, onde, como e quando a pessoa deve procurar um serviço de saúde se ela apresentar alguma reação à vacina. Esse termo de responsabilidade não faz sentido. Cria uma barreira para que as pessoas possam ir se vacinar; cria uma suspeita no momento que a gente precisa dar segurança às pessoas. A Anvisa só vai aprovar um produto que seja seguro e eficaz”, disse.

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