ESTUDOS: Flexibilização sem padrão no Brasil fez explodir casos de Covid-19

Um mês após cenas de caos na saúde pública em países como Itália e Espanha chocarem o mundo, o coronavírus chegou ao Brasil. Desde o dia 15 de março, o crescimento de casos levou a maioria dos municípios no país a adotar o isolamento social, com o fechamento de comércios considerados não essenciais. Mas, passadas apenas algumas semanas do endurecimento das regras para conter a transmissão do vírus, parte das prefeituras pelo país flexibilizou esse fechamento das atividades econômicas, um efeito considerado desastroso, segundo infectologistas, para frear o avanço da pandemia.

No Triângulo Mineiro, um pequeno município exemplifica bem esse comportamento no país. Sem nenhum caso de Covid-19 registrado, essa cidade permitiu a reabertura de restaurantes, lojas de roupas e papelarias poucos dias após um decreto restringir essas atividades. Atualmente, o município, de 26.185 habitantes, contabiliza quase 600 infecções e mais de dez mortes em decorrência do coronavírus. 

De acordo com um estudo da Universidade de Oxford, no Reino Unido, essa flexibilização, considerada precoce, levou ainda a uma explosão de casos no país e, consequentemente, ao descontrole da pandemia. Além disso, um levantamento inédito, realizado com base nos dados coletados pela Confederação Nacional dos Municípios (CNM), apontou que a reabertura das atividades econômicas foi desordenada em todo o Brasil – nem cidades vizinhas tomaram decisões parecidas.

Para a diretora do Centro de Estudos sobre o Brasil na Oxford, Andreza Aruska de Souza Santos, apesar de as medidas de restrição terem começado praticamente no mesmo período nas cidades brasileiras, a flexibilização não seguiu esse mesmo ritmo. “O que aconteceu foi que não houve um momento-chave em que as cidades começaram a relaxar. Isso já foi iniciado no fim de março e seguiu até julho”, acrescentou.

Nas contas

Na maior parte dos 4.061 municípios brasileiros pesquisados – 73% desse total –, a reabertura do comércio aconteceu antes do controle da pandemia. “Em 89,5% da localidades que passaram a registrar pelo menos 20 casos por dia, a reabertura da atividades foi anterior ao pico”, enfatiza Andreza Santos. 

Outro ponto que influenciou o avanço da doença, conforme a pesquisadora, foi a adesão da sociedade ao isolamento social. “A flexibilização das medidas nem sempre esteve relacionada à redução de casos confirmados nem foi coordenada entre as cidades vizinhas. As fronteiras dos municípios estão porosas, e as que mantêm políticas estritas de distanciamento social podem enfrentar um número crescente de casos por causa de decisões externas”, concluiu o estudo. 

Sem casos, abertura foi pressionada

Para o consultor da área de estudos técnicos da CNM, Eduardo Stranz, foi justamente nas cidades sem registros de infecções por Covid-19 que os prefeitos acabaram mais pressionados a reabrir o comércio não essencial no início da pandemia. “Passadas duas, três semanas com ausência de infectados, as pessoas passaram a questionar o motivo de os estabelecimentos seguirem fechados. A própria sociedade fez pressão para que o gestor público flexibilizasse. E elas foram ocorrendo aleatoriamente, sem muita relação com o número de casos”, explicou.

Ele lembra que, como parte da população começou a perder seus empregos em capitais e regiões metropolitanas, a alternativa para muitos foi retornar ao interior. “Isso fez com que o vírus também fosse levado a essas cidades. A retomada das atividades é um processo muito mais complexo e difícil de coordenar. Até hoje nem as grandes cidades sabem bem quando abrir, e fica nesse vai e volta. Ninguém tem uma receita para essa questão”, finalizou.

Exemplos de outros países não vingaram

Conforme a professora da Unicamp e consultora da Sociedade Brasileira de Infectologia Raquel Stucchi, o estudo de Oxford revela uma falta de coordenação nacional para guiar as decisões dos municípios – a situação levou o Supremo Tribunal Federal (STF) a dar autonomia para cidades e Estados em relação às medidas de combate à Covid-19. “Essa falta de coordenação se estendeu aos Estados, muitos tiveram uma explosão da doença e seguem resistentes a fazer medidas restritivas”, argumentou.

A especialista cita ainda como dificuldade a extensão continental do Brasil, com diferenças entre cada região. “Não seria possível fazer aqui o que fez a Nova Zelândia, que teve uma regra única adotada no país inteiro. Só que nós não conseguimos entender a gravidade da pandemia e nos recusamos a aprender com o que a Europa nos ensinou”, finalizou.

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