Homem condenado no lugar do irmão pede indenização de R$ 1,2 milhão

Condenado no lugar do irmão por um crime que não cometeu, Lorivaldo Gaia de Freitas, 33, pede agora uma indeniação de R$ 1,2 milhão após ter sido inocentado com a ajuda da Defensoria Pública do Estado do Amapá.

A vida de Lorivaldo mudou em 2016, quando um oficial de Justiça o visitou no trabalho, o depósito de uma distribuidora na capital Macapá: ele era acusado por arrombar e furtar um bar no ano anterior.

Acontece que o autor do furto foi na verdade o irmão de Lorivaldo, Leosvaldo, que na época chegou a ser detido em flagrante pelo crime. Quando sua prisão temporária expirou, porém, Leosvaldo foi solto, mas enganou a polícia ao dar o nome do irmão na delegacia.

Como o processo seguiu, Lorivaldo acabou respondendo pelo crime e condenado a 1 ano e 4 meses de reclusão, mais pagamento de multa de um salário mínimo, que na época equivalia a R$ 880.

Apenas depois da condenação é que foi dada entrada em uma ação de justificação, um tipo de processo para produzir provas para revisão criminal. Depois de dois anos, o Tribunal de Justiça do Amapá inocentou o rapaz no dia 13 de agosto deste ano.

Indenização de R$ 1,2 milhão

Depois de perder o emprego e cumprir a pena de 1 ano e 4 meses — inicialmente em regime aberto, substituída por prestação de serviços à comunidade e pagamento de multa —, Lourival voltou a recorrer à defensoria pública, agora para pedir uma indenização de R$ 1.262.000 por cumprir integralmente uma pena no lugar de outra pessoa.

“Houve diversas falhas do Estado em todo o caso envolvendo o indivíduo injustamente condenado, o qual somente foi exonerado da culpa penal após mais de cinco anos, sendo que o Estado foi provocado em mais de três ações para reparar o indivíduo, que nunca teve sequer investigada sua alegação de que outra pessoa fora presa em flagrante e dado seu nome”, afirma a defensora pública Júlia Lordelo.

Na ação, a defensoria também pediu que o Governo do Estado do Amapá seja obrigado a realizar, anualmente, a capacitação anti-discriminatória racial com todo efetivo policial, além do registro em áudio e vídeo dos procedimentos feitos nas delegacias.

Segundo Lordelo, dados de pesquisa do Conselho Nacional das Defensoras e Defensores Públicos-Gerais e da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro estimam que cerca de 81% das pessoas reconhecidas erradamente são pessoas pardas, como Lorivaldo, ou negras.

Criado junto com o irmão

Quando foi absolvido, Lorivaldo falou com o UOL. Ele contou que perder o emprego foi uma das principais consequências da injustiça que sofreu.

“À época, o oficial de justiça visitou o trabalho algumas vezes para me intimar, e por conta disso os chefes ficaram meio cismados. Terminei perdendo o emprego porque meu nome aparecia como sujo na Justiça”, lembra ele, que é casado e é pai de quatro filhos.

Lourivaldo e Leosnaldo foram criados juntos, mas tiveram pouca convivência quando adultos. “Como nossos pais se separaram logo, cada um acabou pegando o seu rumo”, diz ele, que não conseguiu outro emprego e vivia de serviços esporádicos como encanador, carpinteiro e pedreiro.

“Eu espalhei currículos, mas não recebi nenhum convite. Procurei advogados particulares, mas todos queriam dinheiro, e eu não tinha. Foi aí que eu busquei a defensoria. Nesse período eu também fiquei investigando o caso para entender o que tinha ocorrido”, lembra ele, que só no dia do julgamento soube que o irmão havia se passado por ele.

Eu me senti injustiçado pela Justiça do Amapá. Mesmo com minhas alegações, não foi feita uma investigação mais profunda, não se pediu um exame grafotécnico. Agora, vou processar o estado para ter uma reparação do erro cometido
Lourivaldo Gaia de Freitas, 33

Durante todo esse tempo, ele só contou com a família a amigos próximos.

“As pessoas que me conheciam sabiam que não era eu, porque eu sempre trabalhei desde cedo. Eu moro aqui há mais de 20 anos, trabalhei de gari, no mercado, em distribuidora; sempre corria dinheiro e mercadorias na minha mão, e nunca peguei nada”, diz.

Para a defensoria pública, o erro deixa uma lição ao judiciário: “Esse caso é paradigmático, pois demonstra como o reconhecimento pessoal pode ser falho e não pode ser a única prova a condenar uma pessoa, sob o risco de se condenar um inocente”, diz a defensora Isabelle Mesquita

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