Luís Roberto Barroso afirma em entrevista “Reagimos com atraso, sem ouvir a ciência e com pouco empenho. Pagamos o preço em vidas perdidas.”

Foto: Carlos Moura/SCO/STF

O Brasil precisa de uma agenda mínima, capaz de aglutinar pessoas. É o que defende o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Luís Roberto Barroso. Entre as sessões, os textos acadêmicos, a leitura e a escrita sobre outros assuntos, o ministro respondeu a algumas perguntas para a coluna.

Recluso em Brasília, cidade que considera umas das melhores do mundo para se viver, ele apostaria em alguns itens para essa agenda comum: um pacto de integridade, combate à pobreza, prioridade para a educação básica, investimento em ciência e tecnologia e um sistema tributário mais justo. Veja a entrevista do ministro Luís Roberto Barroso concedida ao blog CB. Poder.

Para ele, a pandemia jogou luz sobre os problemas crônicos do Brasil, como a desigualdade social, mas também houve um aumento da filantropia. Dá a entender, no entanto, que essa ajuda poderia ser muito maior: “O Brasil já tem ricos suficientes para ter mais iniciativas filantrópicas”. Sobre as duras lições desse tempo, um chamado à responsabilidade dos governantes: “Reagimos com atraso, sem ouvir a ciência e com pouco empenho. Pagamos o preço em vidas perdidas.”

Como a Justiça e o Direito se adaptaram para as novas demandas da sociedade diante da pandemia?

Do ponto de vista operacional, creio que nos habituamos ao trabalho remoto e às sessões por videoconferência. E também houve um aumento dos casos decididos em Plenário Virtual, em que o relator coloca o seu voto num ambiente virtual específico e os demais ministros têm uma semana para votar. Isso no STF. No TSE, tenho comparecido presencialmente às terças e quintas-feiras, para presidir as sessões. É difícil presidir a distância. Mas só comparece o número mínimo indispensável de servidores. Temos mantido quase todo mundo em teletrabalho.

Na sua opinião, como a pandemia pode reforçar os valores humanistas da sociedade?

Acho que a pandemia colocou um facho de luz sobre a pobreza extrema e as desigualdades da sociedade brasileira. Deficit habitacional, moradias inadequadas, moradores de rua, falta de saneamento, serviços públicos deficientes… Enfim, não são novidades, mas são aspectos que se tornaram mais visíveis. Acho que houve um aumento dessa percepção e, também, houve um aumento de filantropia. Aliás, o Brasil já tem ricos suficientes para ter mais iniciativas filantrópicas.

É possível buscar ter um olhar poético diante deste momento difícil? Como faz para aliviar a tensão?
Acho que os casais felizes reforçaram os seus laços na convivência mais intensa. Compartilhar a vida com quem se gosta é uma bênção nessa vida. Eu divido a minha vida em alguns compartimentos: fazer votos (STF e TSE); ler e escrever coisas acadêmicas ligadas ao Direito; ler e escrever coisas que nada têm a ver com o Direito; e conviver com minha mulher e meus filhos (esses, ultimamente, mais pelo telefone, pois moram no Rio). Eu também consegui escrever um livro novo, que não é jurídico, contando um pouco da minha vida e fazendo reflexões sobre o Brasil e o mundo. Chama-se Sem Data Venia e tem sido um dos livros mais vendidos no país na categoria Democracia, Política e Ciências Sociais. Ah, sim: e medito regularmente.

O que mudou na sua rotina neste ano de pandemia?
Como muita gente, acho que tenho trabalhado mais (risos).

Como ficam as grandes questões da humanidade no pós-pandemia?
Eu tinha uma visão um pouco mais sombria antes da derrota do Trump. Temia um mundo que reforçasse populismos, nacionalismos, diminuísse o multilateralismo e o sentimento de solidariedade. Além da questão do aquecimento global, que é um dos temas definidores do nosso tempo. O quadro ainda é preocupante, mas acho que as tendências se inverteram. O populismo, somado ao extremismo, produz uma péssima combinação.

O momento exige resiliência e ativismo solidário. Pessoalmente, se engajou em alguma atividade coletiva — a distância?
Eu uma vez li na parede de um local de oração uma passagem que nunca esqueci e que dizia assim: “Procurei fazer o bem/ Mas não quis fazer barulho./ Porque o bem não faz barulho/ E o barulho não faz bem”. Procuro fazer a minha parte. Mas, nessa matéria, a regra está em Mateus 6:3: não saiba a sua mão esquerda o que faz a sua mão direita.

Que ensinamento este momento nos deixa?
A ideologia, as superstições e os interesses políticos imediatos não podem estar acima da ciência e do bem comum.

Como o senhor vive em Brasília há mais de uma década , como “sentiu” a cidade neste ano de pandemia?
Eu circulo pouco. E, durante a pandemia, menos ainda. Tenho um círculo pequeno de amigos próximos. Nos vemos e nos falamos sempre que possível. Eu passei a maior parte da minha vida no Rio e vivi nos Estados Unidos por alguns períodos, estudando ou trabalhando. Pois, faço aqui uma declaração de amor: sou apaixonado por Brasília e considero aqui um dos melhores lugares para se viver no mundo. Gosto da cidade, da arquitetura, do urbanismo, do verde, dos espaços abertos e das pessoas.

Como vê a perda de tantos brasilienses na pandemia? Os governos deveriam ter sido mais céleres nas decisões? Que exemplo no mundo poderia ser usado no Brasil?
A meu ver, a lição a ser aprendida é a seguinte: problemas ficam menores quando a gente os trata com importância e seriedade. Na vida, não adianta quebrar o espelho por não gostar da imagem. Reagimos com atraso, sem ouvir a ciência e com pouco empenho. Pagamos o preço em vidas perdidas.

A união em torno de um projeto suprapartidário para mitigar os efeitos da pandemia nos próximos anos é possível?
No mundo sempre houve polarização entre as diferentes visões políticas. No início da democracia nos Estados Unidos, já havia republicanos e federalistas. Na França, logo após a Revolução, a Assembleia Nacional se dividia entre esquerda e direita. Minha geração conviveu com as tensões entre socialismo e economias planificadas, de um lado, e capitalismo e economias de mercado, de outro. O problema atual, agravado pelas redes sociais, ou antissociais, é a grosseria, a agressividade, a incapacidade de tratar o outro com respeito e consideração. A intolerância é uma derrota do espírito. Todo país, independente das divisões políticas, precisa de uma agenda mínima, patriótica, com denominadores comuns, capazes de aglutinar todas as pessoas. Sugiro alguns itens: um pacto de integridade, combate à pobreza, prioridade para a educação básica, investimento em ciência e tecnologia e um sistema tributário mais justo. Por: Ana Dubeux/Correio Braziliense

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