MPFRS investiga testes clandestinos com proxalutamida em pacientes com Covid no Hospital da Brigada Militar

Foto: Osmar Nólibus/BM

O Ministério Público Federal do Rio Grande do Sul (MPFRS) abriu inquérito civil para apurar supostos testes clínicos clandestinos com a substância proxalutamida em tratamento de pacientes acometidos por Covid-19 no Hospital da Brigada Militar de Porto Alegre, na zona Sul. O inquérito foi aberto no dia 13 de agosto por uma representação sigilosa.

O site de notícias Matinal publicou reportagem denunciando o fato. A medicação, fabricada na China e sem liberação para importação ao Brasil e uso em seres humanos na época em que os testes teriam sido realizados, atua como bloqueadora de androgênio, hormônios sexuais masculinos, e passa por experiências para o tratamento de câncer de próstata e de mama.

Por meio de nota o Conselho Regional de Medicina do Estado do Rio Grande do Sul (Cremers) se manifestou sobre a denúncia. “Em relação ao uso de proxalutamida para tratamento de Covid-19 sem autorização da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e sem aprovação de Comitê de Ética em Pesquisa, o Conselho Regional de Medicina do Estado do Rio Grande do Sul (Cremers) informa que tomou conhecimento do caso pela imprensa e que vai abrir sindicância para investigar as graves denúncias e a existência de ilícito ético.”

O vice-presidente do Cremers, Eduardo Neubarth Trindade, considerou as denúncias “bastante graves”. Conforme Trindade, “o Ministério Público abriu inquérito e inclusive iria notificar também o Cremers, para que sejam tomadas as medidas cabíveis. Nós também abrimos uma sindicância para investigar esses fatos bastante graves. A parte denunciada terá um período de 180 dias, prazo total da sindicância, para responder sobre os fatos. Depois um processo ético-profissional poderá ser aberto, em que os envolvidos podem ser inocentados ou condenados. Em caso de condenação, as penas aplicadas variam entre advertência confidencial em aviso reservado, censura confidencial em aviso reservado, censura pública em publicação oficial, suspensão do exercício profissional até 30 dias ou cassação do exercício profissional.”

A Brigada Militar se manifestou sobre a denúncia, também por meio de nota: “O comando-geral da Brigada Militar informa que, até o momento, as informações preliminares do Departamento de Saúde quanto à pesquisa conduzida com proxalutamida no início do ano no Hospital da Brigada Militar de Porto Alegre dão conta de que o estudo obedeceu as exigências dos órgãos competentes e as normas legais aplicáveis aos procedimentos em questão. Ainda assim, em nome da transparência, da qualidade e da lisura sempre mantidas e exigidas em todos os procedimentos realizados no HBMPA, o comando-geral determinou a instauração de sindicância para ampla e rigorosa apuração sobre a realização do estudo. A Brigada Militar reforça ainda que, embora não tenha sido notificada da instauração do Inquérito Civil ou requisitada para prestar esclarecimentos, irá colaborar de todas as formas com a apuração conduzida pelo Ministério Público Federal do Rio Grande do Sul”.

Um grupo de pesquisa teria promovido testes em cerca de 50 pacientes infectados com coronavírus no Hospital da Brigada Militar da Capital, em março. Os pacientes internados no Hospital da BM teriam sido abordados na enfermaria e na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) para participarem dos testes. Essas experiências não tiveram autorização da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e nem do Comitê Nacional de Ética e Pesquisa (Conep), responsável por autorizar pesquisas clínicas envolvendo humanos.

Proxalutamida – A proxalutamida é um medicamento que impede as células do corpo de reconhecerem os hormônios andrógenos (masculinos). Usualmente é usada no tratamento de câncer de próstata em homens e de mama entre as mulheres. Porém, ainda não foi aprovada nem comercializada por nenhuma agência reguladora do mundo. Não há comprovação científica sobre a eficácia do medicamento no tratamento para a Covid-19. Dessa maneira, o uso em seres humanos não é recomendado.

O medicamento chegou a ser testado em estudos clínicos, no Amazonas, pela rede de hospitais Samel, em parceria com a empresa de biotecnologia Applied Biology, em março. Foi pesquisado com a participação de 590 pacientes de 12 hospitais do Amazonas, distribuídos por nove municípios do estado. Foi receitado placebo para metade dos pacientes, enquanto a outra metade foi tratada com proxalutamida. A mortalidade no grupo placebo foi de 47,6%, contra apenas 3,7% entre os que tomaram o remédio, após o período de 14 dias. Nove em cada 10 participantes medicados receberam alta após esse tempo, contra três em cada dez dos voluntários que receberam placebo. O resultado, apresentado publicamente por pesquisadores, foi de que pacientes tratados com o remédio têm um risco 92% menor de morrer pela Covid-19.

Esta pesquisa, que não foi publicada em revistas científicas, gerou questionamentos de metodologia e éticos. Existem supostas irregularidades sendo apuradas no estudo do Amazonas pela Conep. Com exceção do estudo brasileiro, outros testes clínicos com antiandrógenos em pacientes com Covid-19 não tiveram resultados promissores. Um dos coautores do estudo, Carlos Wambier, afirmou em março que os pesquisadores não confirmam que a proxalutamida seja a cura para a Covid-19. Wambier é professor assistente do Departamento de Dermatologia da Universidade de Brown, nos Estados Unidos. O docente falou que ainda são necessárias mais investigações sobre o remédio, inclusive para validar se o mesmo efeito pode ser observado em diferentes populações e com variantes virais.

Em julho, o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, abordou o uso do medicamento em conversa com jornalistas. “A proxalutamida está no início dessas pesquisas e precisa se estudar mais para verificar primeiro a sua segurança, segundo a sua eficácia, e, a partir daí, se pode ser considerada para o tratamento da Covid-19.” O presidente Jair Bolsonaro também defende o uso do medicamento, como defendia antes a cloroquina, a azitromicina e a ivermectina para combater o coronavírus. “A proxalutamida é uma droga que está sendo estudada e que em alguns países têm apresentado melhora. Existe no Brasil de forma não ainda comprovada cientificamente, de forma não legal, mas tem curado gente. Vou ver se a gente faz um estudo disso daí para a gente apresentar uma possível alternativa. Temos que tentar. Tem que buscar alternativas e, com todo respeito, eu não errei nenhuma. Até quando, lá atrás, eu zerei os impostos da vitamina D”, afirmou em julho.

Após a manifestação do presidente, a Anvisa autorizou a realização de um estudo clínico para avaliar a segurança e a eficácia do medicamento no tratamento da Covid-19. O estudo envolverá 12 voluntários do estado de Roraima e outros 38 de São Paulo. A Anvisa informou ainda que o estudo seria de fase três, randomizado, duplo-cego e controlado por placebo. A substância será ministrada em participantes ambulatoriais do sexo masculino com Covid-19 leve a moderada. O ensaio clínico é patrocinado pela empresa Suzhou Kintor Pharmaceuticals, sediada na China. O estudo com esse medicamento também ocorre na Alemanha, Argentina, África do Sul, Ucrânia, México e Estados Unidos. POR MATINAL E CORREIO DO POVO

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