MPF recorre de decisão que põe em risco o mangue do rio Potengi

Justiça autorizou análise do licenciamento de viveiros de camarão, localizados às margens do rio, cuja exploração havia sido proibida em sentença que transitou em julgado há quase seis anos

O Ministério Público Federal no Rio Grande do Norte (MPF/RN) interpôs um agravo de instrumento, com pedido de efeito suspensivo, contra uma decisão do juiz federal Janilson Bezerra. O magistrado suspendeu a execução de uma sentença transitada em julgado e de um termo de ajustamento de conduta (TAC) e permitiu que carcinicultores possam ter seus projetos de criação de camarão, localizados em áreas de mangue no estuário do rio Potengi, analisados pelo Idema/RN.

No entender do MPF, permitir a análise dos empreendimentos, por parte do órgão ambiental, pode resultar no licenciamento dos viveiros e, por consequência, em graves prejuízos à natureza. A sentença anterior assegurava a completa proteção da área, considerada fundamental ao equilíbrio do meio ambiente. “A nova decisão viola situações já definitivamente consolidadas”, destaca o recurso ministerial, de autoria da procuradora da República Clarisier Azevedo.

A sentença de 2004, resultante da Ação Civil Pública 2002-84.00.001548-8, transitou em julgado em 2009. No ano seguinte foi assinado o TAC. Ambos previam que as atividades nesses viveiros seriam cessadas, as instalações demolidas e a área reflorestada, de forma a permitir sua recuperação ambiental. Porém, em audiência no último dia 4 de maio, promovida dentro de uma ação impetrada pela Cooperativa dos Pescadores e Carcinicultores do Potengi – CPCP (contra União, Estado do Rio Grande do Norte e Ibama), o juiz determinou a suspensão dos efeitos da sentença.

A ação dos criadores de camarão se baseia na mudança do Código Florestal Brasileiro que, segundo eles, permitiria a exploração da atividade nos viveiros instalados antes de 22 de julho de 2008 na Fazenda Camarão do Povo, pertencente à cooperativa. Esses empreendimentos supostamente ocupariam áreas de apicuns e salgados, ecossistemas adjacentes aos mangues.

O Ministério Público Federal discorda dessa caracterização da área e registra que a regularização desses viveiros já havia sido descartada pela sentença anterior e pelo TAC. O MPF aponta, inclusive, a inconstitucionalidade do do artigo 11A do novo Código Florestal, que se refere à suposta anistia de quem explorava irregularmente áreas de apicuns e salgados antes de 2008, e vem questionando essa norma legal através de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade, no STF.

Outro risco decorrente da recente decisão judicial é o prejuízo ao projeto de criação de uma unidade de conservação na região, o chamado Parque Estadual Mangues do Potengi.

Mangue – A caracterização da área, apontada pelos carcinicultores como sendo de apicuns ou salgados, também é questionada no recurso do MPF. “No mapa dos viveiros objeto dos pareceres técnicos observa-se claramente a presença de manguezais circundando praticamente todos viveiros, o que demonstra que se trata, na verdade, de área de manguezal”. Pareceres técnicos também reforçaram o crescimento de vegetação de mangue nos viveiros já desativados na mesma região.

Ainda dentro do processo que resultou na sentença de 2004, um laudo da Semurb reforçou que “as fazendas de camarão estão assentadas em área onde a vegetação de mangue encontrava-se em processo de regeneração”. Outros pareceres da UFRN e de técnicos seguiram no mesmo sentido.

O bioma manguezal é considerado fundamental ao equilíbrio do meio ambiente. Ele serve de fonte de nutrientes a diversas espécies da flora e fauna e é o lar de várias espécimes animais, incluindo algumas sob risco de extinção, como o colhereiro, o peixe-boi, a garça branca e a tartaruga-de-pente, além de outras objeto de exploração excessiva, como o Caranguejo Uçá.

Histórico – A Fazenda Camarão do Povo, de responsabilidade da CPCP, vinha devastando área de mangue, com a construção de tanques de criação de camarões. A sentença de 2004 determinou o fim das atividades e a recuperação ambiental. Os carcinicultores recorreram até o o Superior Tribunal de Justiça – STJ, que manteve o reconhecimento da ilegalidade da exploração da área. O processo transitou em julgado em 6 de outubro de 2009.

Durante o processo de execução da sentença, a alternativa encontrada pelo MPF e pelo Ministério Público do Estado foi de celebrar um TAC concedendo novos prazos, mas sem mudar o teor da decisão. O termo foi assinado em 20 de maio de 2010 e homologado judicialmente, com prazo de desocupação das últimas áreas definido para 20 de maio de 2015, sendo que algumas deveriam ser desativadas de imediato.

O MPF agora requer do Tribunal Regional Federal da 5ª Região a concessão de liminar para impedir o licenciamento ou regularização desses viveiros e a extinção da ação movida pelos carcinicultores.

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