Pandemia acelera o futuro e gera mudanças comportamentais

Mudanças que demorariam décadas para acontecer tornaram-se uma realidade apressada por causa da pandemia do novo coronavírus. Consciência maior em relação às formas de consumo, trabalho remoto, eventos virtuais, ensino híbrido.

As transformações impostas pela Covid-19 não devem ficar no passado quando o problema de saúde pública for superado. Nada será como antes, dizem especialistas. Como será o mundo pós-pandemia? O Diario ouviu filósofos, sociólogos, psicólogos e cientistas políticos para entender os novos cenários que estão surgindo com o enfrentamento à doença. 

Doutor em neuropsiquiatria e ciências do comportamento e coordenador do mestrado em psicologia da saúde da Faculdade Pernambucana de Saúde (FPS), Leopoldo Barbosa, afirma que situações adversas têm potencial gerador de mudança. “A pandemia afetou a todos. Muitas pessoas já estão mudando, especialmente aquelas que vivenciaram perdas de perto. Esse momento repercute na valorização de questões que não eram percebidas como importantes antes”, diz.

Festas com grandes aglomerações, visitas em maternidades e comemoração mensal para bebês reunindo a família devem ser costumes que serão repensados. “Há questões culturais muito fortes, mas já há uma mudança em relação a essas questões. As cidades já estão sendo pensadas em outros formatos, assim como o transporte público. As vidas privadas também estão passando por transformações. As pessoas estão repensando sobre para onde vão e o que vão fazer. Estamos vivendo transformações que demorariam décadas para acontecer”, pontua Leopoldo.

O chefe do Departamento de Filosofia da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e psicanalista Érico Andrade ressalta que é fundamental pensar sobre as mudanças geradas pela pandemia levando em consideração questões de gênero, classe social e raça. “A forma como você se constitui socialmente gera relações diferentes com este momento. Há uma só pandemia, mas vários mundos. Não há uma unidade no que diz respeito às consequências da pandemia e aos modos como as pessoas vão vivenciá-la”, afirma.

Para quem vive em contextos de vulnerabilidade social e econômica, questões como falta de emprego, morte e sobrevivência serão mais urgentes. “Há pessoas que sempre viveram em condições de emergência, em desfavorecimento material. Esse tipo de construção política (de auxílio) deve ser mantida, deve ser perene. Não pode acabar (no pós-pandemia)”, pontua. Em relação às pessoas que podem fazer trabalho de forma remota, essa é uma tendência que deve ser fortalecida, segundo Érico. “Deve haver também um incremento nessas formas de trabalho. A comunicação também deve continuar ganhando força no digital, como tem sido neste momento”, enfatiza.

Érico observa ainda que tem surgido uma noção maior de que a existência humana não pode ser dissociada da natureza. “Somos, apesar da evolução tecnológica, vulneráveis a um vírus, que precisa do corpo humano para ser transmitido. Precisamos ter muito cuidado e atenção quanto à nossa relação com a natureza. Somos a natureza”, diz.

A pandemia da Covid-19 deve servir como um novo marco histórico, segundo a historiadora e antropóloga Lilia Schwarcz. “(O historiador Eric) Hobsbawm disse que o longo século 19 só terminou depois da Primeira Guerra Mundial. Nós usamos o marcador de tempo: virou o século, tudo mudou. Mas não funciona assim, a experiência humana é que constrói o tempo. Ele tem razão, o longo século 19 terminou com a Primeira Guerra, com mortes, com a experiência do luto, mas também o que significou sobre a capacidade destrutiva. Acho que essa nossa pandemia marca o final do século 20, que foi o século da tecnologia. Nós tivemos um grande desenvolvimento tecnológico, mas agora a pandemia mostra esses limites”, disse, em entrevista ao portal Universa.



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