PF investiga eventuais indícios financiamento do governo a sites “antidemocráticos”

Foto: Sergio Lima / AFP

A Polícia Federal investiga indícios de que o governo do presidente Jair Bolsonaro financiou pessoas e páginas na internet dedicadas à propagação de atos antidemocráticos, que fizeram ataques ao Congresso Nacional e ao Supremo Tribunal Federal (STF). Um relatório parcial da PF, produzido no inquérito que tramita no STF sobre a realização de atos antidemocráticos, aponta pela primeira vez a relação desses atos com o Palácio do Planalto e apura se a publicidade oficial foi utilizada para direcionamento de recursos públicos.

Os indícios chegaram à PF por meio da CPMI das Fake News do Congresso Nacional, que enviou à investigação informações de que a Secretaria de Comunicação da Presidência da República (Secom) veiculou publicidade em sites que propagam ações antidemocráticas. A delegada Denisse Dias Ribeiro afirma no relatório que o objetivo da investigação é saber se integrantes do governo federal agiram por ação deliberada ou por omissão no financiamento dessas páginas.

“A investigação tem o objetivo de checar se essa ocorrência se deu por culpa ou por ação ou omissão deliberada de permitir a adesão da publicidade do governo federal, e a consequente monetização, ao conteúdo propagado”, escreveu a delegada, que prossegue em seu despacho: “Outro ponto a ser elucidado (e que complementarão a análise do material já em curso) é se essa conduta ocorreu por vínculos pessoais/ideológicos entre agentes públicos e os produtores de conteúdo ou mesmo por articulação entre ambos”.

Além da presença de propaganda do governo, a PF apura se os gestores públicos usaram mecanismos disponíveis em ferramentas de publicidade, como o Google Ads, para evitar que as mensagens do governo chegassem a sites que disseminam ataques às instituições.

“Não há informações que indiquem se os agentes públicos responsáveis, dolosa ou culposamente, criaram critérios objetivos (palavras-chave, filtros ou bloqueios) que evitassem que a propaganda do governo federal fosse veiculada e monetizasse canais que difundem ideias contrarias às professadas pelo Estado democrático de Direito, permitindo (i.e., não impedindo), com tal prática, que ocorresse o repasse de recursos públicos com a intermediação de ferramentas tecnológicas a tais canais das redes sociais”, diz o relatório.

No sistema de publicação de propaganda na internet conhecido como mídia programática, o cliente contrata uma plataforma que distribui automaticamente anúncios com base no cruzamento entre o público-alvo e critérios como a audiência dos sites e dos canais acessados pelos internautas que são o foco do cliente. Isso faz com que, se não houver nenhum bloqueio, anúncios possam ser veiculados em sites e canais que divulgam conteúdo como discurso de ódio e ataques a autoridades, por exemplo.

O Google informa que os anunciantes que utilizam as plataformas da empresa têm acesso a controles para impedir a veiculação de anúncios em sites e canais específicos ou por categoria.

Vínculo com ministério

O relatório policial também afirma que há “vínculos, ainda não totalmente esclarecidos”, do grupo investigado por propagandear e promover os atos antidemocráticos com o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, comandado por Damares Alves. O documento aponta que a ativista de extrema direita e uma das coordenadoras do movimento “300 do Brasil”, Sara Giromini, ocupou um cargo na pasta, “sendo exonerada apenas em 15 de outubro de 2019”.

Os investigadores também apontam que Sandra Mara Volf Pedro Eustáquio, mulher do blogueiro Oswaldo Eustáquio, hoje tem cargo na Secretaria Nacional de Políticas de Promoção de Igualdade Racial na mesma pasta. Além delas, Renan Sena, que é investigado por envolvimentos nos atos antidemocraticos, foi terceirizado de uma empresa prestadora de serviços para o mesmo ministério.

A delegada destaca que “a natureza e a origem desses vínculos” entre essas pessoas e os agentes públicos que atuam no ministério “merece aprofundamento”. A PF busca esclarecer se essas contratações também podem ser uma forma de distribuir recursos públicos para propagadores e operadores dos atos antidemocráticos.

O inquérito sobre atos antidemocráticos foi solicitado pela Procuradoria-Geral da República (PGR) no fim de maio e tramita sob relatoria do ministro do STF Alexandre de Moraes. Em 16 de junho, a PF cumpriu 28 mandados de busca e apreensão contra suspeitos de envolvimento na organização desses atos. Também foi quebrado o sigilo bancário de 11 parlamentares investigados no caso. Os crimes sob investigação estão previstos na Lei de Segurança Nacional.

Em maio, O GLOBO mostrou que canais no YouTube que atacavam o STF e defendiam a intervenção militar receberam recursos de mídia programática de empresas estatais. Depois, a mesma prática foi identificada em anúncios da Secom. Em agosto, o Tribunal de Contas da União (TCU) determinou que a secretaria parasse de veicular anúncios em sites estranhos ao público-alvo das peças publicitárias.

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O GLOBO procurou a Secom e o ministério dos Direitos Humanos. A Secom disse que não iria comentar. Em outras ocasiões, a secretaria afirmou não escolher os sites onde os anúncios de mídia programática são veiculados e que não fará “censura”. Já o ministério afirmou que Sara Giromini e Renan Sena, quando indiciados, “já não pertenciam ao quadro funcional do MMFDH” e que todos os membros da pasta estão à disposição para esclarecimentos necessários.

O GLOBO

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