Temer abusa da própria impopularidade ao atender ‘pautas malditas’ do Congresso

Sem apoio social e dependente dos parlamentares e do setor privado, o presidente Michel Temer e sua equipe tiveram de recuar de diversas medidas que chegaram a ser divulgadas – ou mesmo formalizadas – após grande repercussão negativa.

Tais recuos são sintomas de um governo que precisa realizar medidas para atender a grupos de interesse, mesmo sendo de difícil aceitação pela população, e tomar para si o ônus do desgaste com pautas malditas, como a mineração na Amazônia ou o relaxamento do combate ao trabalho escravo.

“Recuar nem sempre é algo ruim. Mostra que o governo está aberto a mudar algo que ele apresentou e que não foi bem aceito. Mas temos um Executivo fraco, sem apoio popular e que nem vai ter. O governo se baseia muito no apoio que tem no Congresso e no setor privado. Essas medidas que a gente tem visto avançando, e que repercutiram mal na sociedade, têm a ver com a troca de interesses entre Executivo e Congresso. Enquanto o Executivo precisa se manter e avançar com pautas macro, o Congresso pede pautas que não têm apoio na sociedade”, afirmou Juliano Griebeler, diretor de Relações Governamentais da Barral M. Jorge Consultoria. 

Mais recente polêmica do governo Temer, a mudança na definição de trabalho escravo foi formalizada no dia 16 de outubro, em publicação no Diário Oficial da União. Com a alteração, uma empresa somente passará a compor a lista negra do trabalho análogo ao escravo após determinação do Ministro do Trabalho. A nova regra também alterou as definições de trabalho forçado, jornada exaustiva, condição degradante e condição análoga à de escravo. 

Para entidades de defesa dos direitos humanos e opositores ao governo, com as novas discriminações será mais difícil tipificar trabalho análogo ao escravo, o que favorece as empresas que estiverem em situações limite. A nova regra, por exemplo, tipifica como trabalho escravo apenas situações nas quais o funcionário é ameaçado, ou não pode sair do local de trabalho, ou ainda em condição na qual é retido por seguranças armados. 

Mesmo dentro do governo há dúvidas sobre a forma escolhida para se alterar a definição de trabalho escravo e a quem cabe esse papel. Parlamentar próximo a Temer afirmou que talvez a “tática” adotada pode não ter sido a melhor. A mudança foi feita por meio de portaria, sem permitir debate, o que poderia ocorrer se as mudanças fossem realizadas por meio de projeto de lei, por exemplo. 

Com portaria, Executivo assumiu para si desgaste

A opção pela portaria também seria um indicativo do afago feito por Temer a setores interessados em fragilizar o combate ao trabalho escravo. Com uma gigante impopularidade, o presidente está despreocupado em agradar aos cidadãos e pode trazer para si o ônus sobre algumas matérias impopulares, livrando o Congresso desse peso e conseguindo apoio dos parlamentares favoráveis aos “temas malditos”, que deixam de sofrer o desgaste que teriam caso sugerissem e defendessem as mudanças.  

A mudança das regras sobre o trabalho escravo já vinha sendo ensaiada desde o início da gestão Temer. No último dia 10 de outubro foi exonerado o chefe da Divisão de Fiscalização para Erradicação do Trabalho Escravo (Detrae) do Ministério do Trabalho (MTB), André Esposito Roston. 

“Essas políticas que Temer apresenta vêm de algum lugar. Neste momento, Temer mostra que tenta avançar em uma pauta que o Congresso pede, mas a sociedade não quer. O presidente sendo impopular não precisa se preocupar em agradar. E do lado dos parlamentares interessados no assunto, eles não têm o desgaste”, avalia Griebeler. 

A oposição vem criticando a alteração nas regras e acusa Temer de realizar o relaxamento do combate ao trabalho escravo na mesma semana em que teve início a tramitação da segunda denúncia contra Temer na Câmara. Na votação sobre a denúncia em comissão da Câmara, na noite de 18 de outubro, deputados da oposição levantaram cartazes criticando a medida, relacionando a vitória de Temer com o arquivamento do processo, com 39 votos a favor e 26 contra. 

“O governo só pensa na sua sobrevivência e Michel Temer em não ser preso. Ele quer manter o cargo e tentar sobreviver de alguma forma depois que terminar esse mandato. Essa tentativa joga na lata do lixo uma construção política que foi feita ao longo de muitos anos”, afirmou o deputado Carlos Zarattini (SP), líder do PT na Câmara. 

As alterações na lei são um gesto de Temer com as alas mais atrasadas da sociedade, aponta Zarattini: “A grande maioria da indústria e do setor agropecuário já não tem esse problema. Quem tem são os setores mais atrasados, que não querem dar nenhuma condição mínima ao trabalhador. Essas entidades, ao invés de defenderem melhores práticas, querem defender o pior. É lamentável isso”, afirmou. 

Liberação de mineração na Amazônia pegou mal

Outro recuo famoso de Temer foi sobre as regras quanto à atividade de mineração na Reserva Nacional do Cobre e Associados (Renca), uma área na Amazônia. Neste caso, houve erro de cálculo da equipe técnica que cuidou do assunto. Alas de dentro do governo teriam avisado que era preciso evitar o debate sobre a permissão de mineração na Amazônia, um tema intocável que aciona lobbies ambientais e a classe artística. 

A alteração da Renca foi feita por decreto e após campanha de artistas, encabeçados por Caetano Veloso, o governo teve de revogar a medida. Usando frases de apelo como “Não Temer, com a Amazônia não se brinca”, o grupo 342Amazônia lançou mão de dados imprecisos sobre a proposta e conseguiu, via Congresso, pressionar pelo recuo do governo. 

Mais uma vez, para atender a interesses empresariais, Temer cruzou o limite do que a sociedade estava disposta a aceitar. O analista político relembra que ao final do governo Dilma Rousseff a sociedade estava mais disposta a se mobilizar e se manifestar – o que era também embalado por entidades e grupos organizados que fomentavam esse ambiente. Grieleber avalia que atualmente há um cansaço da população em se manifestar, somado ao arrefecimento da pressão de grupos que catalisaram as manifestações de 2013 e 2016.

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1 Comentário

Julio

out 10, 2017, 8:18 am Responder

No governo de Dilma, quem fazia manifestações era a classe média alta porque odeia pobre , agora tá a prova, o governo acabando escancaradamente o Brasil é ninguém se manifesta, os pobres , mais afetados não conseguem e não têm estrutura para enfrentar o governo,o medo de perder o mísero emprego que ainda lhe resta. na época dos manifestos contra Dilma, achava-se que era pobreza, mas as fotos mostravam o perfil das pessoas muito bem vestidas.Entao concluo dizendo que não era rejeição ao governo, era rejeição aos pobres que tinham saído da linha de pobreza e os tinham almejado a tão sonhada classe média

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