Tiririca, FHC, e os eleitores

Em Itapipoca, cidade pobre do interior cearense, Francisco Everardo Oliveira Silva já trabalhava como palhaço de circo aos 8 anos de idade. Virou Tiririca, gravou seu primeiro CD, e à procura de uma vida melhor, desembarcou em são Paulo. Famoso com sua “Florentina”, o palhaço, cantor, compositor e humorista, fez mais sucesso, se elegeu deputado federal. No distorcido sistema eleitoral brasileiro, carregou com ele, na mesma coligação – e 1,3 milhões de votos – uma penca de colegas.

Fernando Henrique Cardoso nasceu no Rio de Janeiro, sociólogo, professor catedrático da Universidade de São Paulo, virou presidente da República, depois de passar pelo Senado, dois ministérios, dezenas de livros. Tornou-se político de referência no cenário nacional. E internacional. Pode-se discordar dele, mas tem peso na voz.

Histórias tão díspares, perfis antagônicos. Quase nada em comum entre Tiririca e Fernando Henrique. A não ser a política. Passados tantos anos desde os tempos do circo de Itapipoca, ou das aulas de sociologia numa universidade de Paris, Tiririca e Fernando Henrique podem ocupar hoje o mesmo palanque.

Ja falam língua semelhante. Na semana passada, em discursos diferentes, disseram exatamente a mesma coisa: o eleitor está cansado, os políticos não mudam, a política está apodrecendo. O ex-presidente reconheceu que o povo está “enojado”, irritado, e lamentou que o Brasil esteja vivendo uma tragédia. O povo sente como se fosse uma traição nacional, admitiu FH.

Reconhecimento um tanto tardio. De um e de outro. Os eleitores não estão cansados, estão exaustos. Quando fala em traição, FHC certamente se refere à figura de Aécio Neves, que saiu sob vaias pela porta dos fundos da convenção tucana. Aécio chama a atenção pela desfaçatez. Não está sendo execrado apenas pelos milhões de eleitores que apostaram nele em 2014, mas pelo próprio partido que não quer mais a sua companhia.

A bem da verdade, Tiririca, pelo menos dessa vez, saiu na frente de Fernando Henrique. Dias antes da convenção do PSDB, o deputado eleito pelo PR de São Paulo, ocupou  a tribuna da Câmara para anunciar que vai desistir da pólítica. Não citou nomes dos parlamentares que acusou de trabalharem para atender interesses próprios. Nem precisava. Conhecemos a maioria até pelos apelidos.

Nem disse novidades. O jogo é pesado, toma lá, dá cá, disputa de interesses, esquemas montados para faturar propinas, apontou. “Ou você entra no esquema, ou não faz nada”, queixou-se. Tiririca fez quase nada como deputado, ainda assim seu discurso repercutiu. O desiludido Tiririca contou que o descaramento é tanto que lhe foi oferecido por um rapaz, em seu gabinete, “um negócio de aluguel de carros” da própria Câmara Federal. Nada que o Ministério Público ou a Policia Federal não saibam. Talvez investiguem, Tiririca deu o serviço.

Há cinco meses, o deputado retomou seus shows como cantor e palhaço. Aproveita os fins de semana para curar seus desenganos país afora,  usando cota parlamentar para custear suas apresentações. Durante a semana, acha que ainda faz jus ao salário de R$ 23 mil como deputado. O PSDB elegeu novo presidente, e lançou velhas candidaturas para 2018. Nada de renovação, os tucanos vão tratar de suas feridas tentando reconquistar (a duras penas) o voto do eleitor desencantado.

Nós vamos em frente, remediando nossos traumas. Não temos picadeiro nem palanques. Temos votos. E, na melhor das hipóteses, esperança de dias melhores. Tomara, que a gente nem precise esperar “morcego doar sangue nem saci cruzar as pernas” (do saudoso Bezerra da Silva, quando perguntado se o Brasil tem jeito). Quem sabe em 2018.

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