UTI infantil à beira do colapso: coordenadora denuncia caos no Hospital Maria Alice Fernandes

A denúncia vem de dentro. Da linha de frente. E não é apenas um grito de socorro — é um retrato cru de um sistema em colapso. A coordenadora da UTI pediátrica do Hospital Maria Alice Fernandes, a médica Jéssica Torres, enviou ao Portal Mercado Aberto um áudio comovente, revelando o cenário alarmante de desabastecimento na unidade hospitalar, que é referência estadual para cirurgia pediátrica, neonatal, atendimento respiratório, infectocontagioso e até diálise infantil.

“Já faz quase um mês que a gente não tem luva de procedimento. Estamos usando luva estéreo, que é bem mais cara. Mas é isso ou nada”, relatou. Segundo ela, insumos básicos sumiram das prateleiras — e a consequência disso é direta: pacientes deixaram de ser admitidos por falta de condições mínimas de atendimento.

Para quem não está familiarizado, “capote” é o nome do avental utilizado por profissionais de saúde para evitar contaminação cruzada. Eles são essenciais em ambientes como UTIs, onde a fragilidade imunológica dos pacientes é altíssima. “Estamos usando capote de pano adaptado. Não é o ideal. Na enfermaria, então, nem isso tem mais. Uma funcionária atendeu um paciente que depois testou positivo para Covid e adoeceu por não ter o EPI adequado”, denuncia Jéssica.

Na UTI neonatal, o cenário é igualmente trágico. “Está faltando anticonvulsivo venoso para recém-nascidos. Não é um luxo. É o mais seguro para tratar crises convulsivas. E convulsão em UTI neonatal não é exceção, é rotina”, explica. Outro item vital que desapareceu foi o catéter PIC, essencial para bebês com veias extremamente finas, onde o uso de um cateter comum é inviável. “Sem o PIC, a gente não consegue acesso venoso em recém-nascidos graves. E sem acesso, não há medicação, não há tratamento”, resume.

A falta de tubos de ventilação — com variações de tamanho para atender diferentes idades e quadros — coloca as crianças em risco imediato. “Se eu não tiver o tubo certo, posso causar uma lesão definitiva na via aérea. Ou, pior, não conseguir entubar e perder o paciente. É simples assim: sem o mínimo, o risco de morte aumenta.”

O problema se arrasta há pelo menos dois meses e piora a cada dia. A equipe já enviou processos de solicitação para a Secretaria Estadual de Saúde, mas nada. “Estamos há mais de duas semanas aguardando um orçamento da Secretaria. E nada. Enquanto isso, a gente está limitando internações na UTI neonatal. Na prática, estamos negando vagas para quem precisa de um leito porque não temos como cuidar”, diz, visivelmente aflita.

Diante da falta de insumos, os próprios profissionais têm custeado parte dos materiais. “A equipe médica compra remédio, a de enfermagem compra material de curativo. Mas tem coisa que simplesmente não dá mais para segurar. É um nível de improviso que beira o criminoso.”

A médica denuncia que o problema não é isolado. “O (Hospital) Walfredo Gurgel, referência para AVC, ficou sem heparina, uma droga básica para evitar trombose. É um desmonte generalizado.” Ela também lamenta a inércia das autoridades. “Já acionamos o Conselho de Medicina, eles foram lá. E depois? Nada. A gente fala com um, com outro, mas quem devia resolver se omite. E o que vai acontecer, então?”

Escreva sua opinião

O seu endereço de e-mail não será publicado.