Vacina de Covid-19: voluntários contam como é participar do teste da CoronaVac

Dois contêineres no bairro Jardim Montanhês, na região Noroeste de Belo Horizonte, guardam o que pode ser parte da solução para a pandemia de Covid-19 no Brasil. É neles que são realizados os testes da CoronaVac, a vacina chinesa da empresa Sinovac, por pesquisadores da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Profissionais de saúde atuam em uma dupla linha de frente: no combate à pandemia e, agora, como voluntários para testar uma possível imunização.

Os contêineres de testagem ficam no terreno do Centro de Saúde Jardim Montanhês, onde a rotina de atendimentos rotineiros segue normalmente. Na manhã desta quinta-feira (17), uma criança chorava dentro da unidade da saúde, gritando que não queria tomar uma vacina. Do lado de fora, voluntários aguardavam a vez de testar a de Covid-19.

Apenas profissionais de saúde podem fazer parte dos testes, a princípio. Já que são expostos a risco diariamente, fornecem as condições ideais para testar se a vacina é eficaz. Uma das voluntárias que participa do estudo é uma médica de 26 anos, que trabalha na área ginecológica e obstétrica de um hospital que recebe grávidas com Covid-19 ou suspeita da doença. Nesta quinta, ela tomou sua segunda e última última dose da injeção. Além da vontade de contribuir para a ciência, diz que deseja se imunizar para proteger a família.

“Moro com a minha irmãzinha de um ano, que tem cardiopatia. Para mim, o pior seria pegar Covid-19 e passar para ela. O efeito colateral de vacina não me preocupa. E tem que ter gente para fazer essas coisas novas, ou não vão para frente”, elabora. Recém-formada, ela ouve profissionais mais velhos contarem a experiência de enfrentar pandemias anteriores, como a da Aids, nos anos 80, e diz que não esperava viver algo similar tão cedo.

Uma enfermeira de 31 anos, que trabalha em dois CTIs, em BH e na região metropolitana, também tomou coragem para testar a vacina, após outros colegas terem participado do estudo. “Eu vivencio o impacto da pandemia no meu cotidiano. Tenho interesse em contribuir nesse estudo e torço para que dê certo, porque a vacina seria nossa salvação, neste momento, porque não há remédio contra a Covid-19 e os casos têm um desfecho muito complicado. Para nós, na saúde, é muito exaustivo. A vacina seria um alento não só para nós, mas para o mundo. Não venho receosa, mas esperançosa. Tem todos os riscos (de participar de um teste), mas eles são claros e vacina utiliza vírus inativo, o processo é transparente”, explica. A quem tem medo de agulha, a enfermeira garante: a injeção não dói.

Um técnico em ressonância magnética de 31 anos ficou temeroso em testar a vacina, devido à procedência chinesa — até então, acredita-se que a pandemia tenha se iniciado na China. “Eu acredito bastante na ciência, então acho que, se a vacina está sendo testada, é de boa qualidade e tem boa procedência. (Fiquei com receio por ser da China), mas depois a gente vê que não tem nada a ver. É de um laboratório credenciado pela Organização Mundial da Saúde. Tem que ter avanço na ciência o mais rápido possível para a gente pode acabar com o vírus”, explica.

Outro voluntário, um farmacêutico de 39 anos que trabalha em um hospital da capital, faz um apelo a quem resiste à vacinação. “Quem diz que é contra vacinas nega os fatos. As principais doenças virais, como o pólio, foram erradicadas ou diminuíram por causa das vacinas. Não tenho receio de fazer o teste, meu receio é trabalhar em um local com contaminação”, diz. Atualmente, segundo os organizadores dos testes, cerca de 50 voluntários passam pelo local diariamente.

Você testaria a vacina da Covid-19?

Uma pesquisa do Datafolha, divulgada em agosto, mostra que 89% dos brasileiros pretendem tomar a vacina de Covid-19 quando ela estiver disponível. A reportagem conversou com pessoas pelo Centro de BH e na Savassi na manhã desta quinta-feira e a maioria delas também se disporia a participar de um teste da vacina, caso ele fosse disponibilizado a todas as pessoas e não apenas a profissionais da saúde.

A promotora de vendas Bárbara Pereira, 26, é umas das que afirma que não hesitaria em fazer parte de um estudo. “Isso é a porta de entrada para a melhorar a situação aqui em BH. Se não testar, não vai encontrar a solução, o negócio é testar mesmo. Quando sair a vacina, eu vou tomar. Se for de graça, porque até o teste de Covid-19 é um absurdo para a população de classe baixa”, aponta.

O vendedor Marcos Vinícius, 63, diz que até testaria outras vacinas, mas só faria parte dos testes ou tomaria um produto chinês se fosse a única opção. “Se fosse só ela, tomaria, mas não é. A China demorou a avisar ao mundo sobre o problema. Hoje, eu daria prioridade até para a vacina russa. Eu iria até o Paraná tomar essa vacina, iria de ônibus, de avião, só não iria a pé porque é muito longe”, diz. O governo do Paraná anunciou parceria com a Rússia para testar a vacina do governo de Vladimir Putin.

Por sua vez, o aposentado Braz da Cruz, 81, defende a fé na ciência: “Eu faria o teste da vacina com todo o prazer. Não querer fazer é a maior ignorância do ser humano. A ciência é absoluta e temos que seguir o que os órgãos da ciência pedem. (Quando uma vacina for finalizada) eu com certeza vou tomar, porque assim vou incentivar outras pessoas, não só da minha idade, mas a juventude”.

No começo deste mês, a farmacêutica AstraZeneca suspendeu os testes de uma vacina que reúne parceiros como a universidade britânica Oxford, a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e a UFMG, após uma voluntária apresentar efeitos adversos. Os testes já foram retomados no Brasil, mas a interrupção acendeu um alerta para o entregador por aplicativo Alison Vinícius, 29. “Tenho receio dos efeitos colaterais. Mas, pelo que sei e vi ser divulgado,, foi uma pessoa que teve reação, então eu faria o teste. Se eu não for a única pessoa sendo testada, testaria, sim”, conclui.

Como o teste da vacina de Covid-19 funciona

Nenhum dos voluntários têm certeza de que realmente tomou a vacina, já que os participantes são divididos em dois grupos: metade recebe a vacina de fato, com o vírus “morto”, para causar uma reação imunológica no corpo, e metade recebe um placebo, uma substância que não causa efeito no organismo. Nem eles e nem os pesquisadores sabem quem recebeu cada dose. Outra equipe de pesquisa, que não tem contato direto com os voluntários, recebe o código correspondente a cada pessoa e sabe quais delas realmente foram vacinadas. Os participantes que tomaram o placebo terão prioridade para receber a vacina se ela for validada e distribuída ao público.

Cada pessoa recebe duas injeções, uma em cada braço, e com intervalo de 14 dias entre elas. Durante esse tempo, ela preenche um diário informando tudo o que sentir de incomum, como dores de cabeça, e precisa informar à equipe do estudo se tiver sintomas como febre e outros sinais típicos da Covid-19. Após agendar um horário de atendimento, entre segunda e sábado, os voluntários passam por uma triagem no local da vacinação e fazem teste sorológico para saber se já foram contaminados pelo coronavírus — nesse caso, não podem participar. Depois da injeção, passam uma hora no posto para o caso de apresentarem reações adversas. Na primeira dose, todo o processo dura em torno de três horas.

Por enquanto, os testes em BH abrangem apenas pessoas dos 18 aos 59 anos. Segundo uma das coordenadoras do processo, a pesquisadora ngela Serufo, pode haver ampliação do grupo testado no futuro, mas ainda não há definição de quando isso começará. Ela também pontua que não é possível definir data para disponibilização da vacina pelo Sistema Único de Saúde (SUS). O Instituto Butantan, em São Paulo, é o principal parceiro da Sinovac nos testes brasileiros, e adapta uma fábrica para produzir as doses, com capacidade para 100 milhões de unidades, que só devem ser disponibilizadas em 2022, de acordo com o instituto.

Caso a vacina prove-se efetiva, a Sinovac enviará, já em 2020, 46 milhões de doses ao instituto, segundo o Butantan. Essas doses são suficientes para imunizar 30 milhões de pessoas. No Brasil, os testes ocorrem em mais nove cidades e incluem cerca de 9.000 voluntários. Após a finalização da testagem, os resultados serão encaminhados à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), responsável por conceder o registro ao imunizante.

Como fazer parte do teste da vacina de Covid-19

Os voluntários precisam ser profissionais de saúde e atuar com casos de Covid-19. Eles não podem ter sido contaminados pela doença ou participar de outros experimentos. Também é necessário que tenham registo ativo no conselho profissional de sua ocupação.

Quem se enquadrar nesses critérios e quiser participar, deve entrar em contato com a equipe pelo número (31) 97171 2657.

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