Espalhada pelo Brasil, Lava Jato deve sobreviver a cortes, diz analista

O anúncio de que a Polícia Federal (PF) fechará seu grupo de trabalho dedicado à Lava Jato em Curitiba gerou críticas entre pessoas que acompanham a força-tarefa e citam possíveis prejuízos às investigações na cidade onde a operação se originou.

Já a PF minimizou o impacto da medida, afirmando que a Lava Jato está cada vez menos centralizada em Curitiba e que a decisão visa priorizar as investigações de maior dano aos cofres públicos. 

Em nota enviada à BBC Brasil na quinta, a PF afirmou que os agentes dos grupos dedicados à Lava Jato e à Operação Carne Fraca serão transferidos para a Delegacia de Combate à Corrupção e Desvio de Verbas Públicas (Delecor).

Para José Matias-Pereira, professor de administração pública da Universidade de Brasília (UnB), a decisão é ruim para operação.

Ele afirma que a PF tem um trabalho “extremamente relevante para a Lava Jato” e forma com o Ministério Público Federal e a Justiça de primeira instância o “tripé que sustenta operação”.

Segundo ele, a equipe em Curitiba não só atuava em investigações cruciais mas também “detinha uma espécie de memória do funcionamento da operação”.

Matias-Pereira afirma que o grupo de trabalho já vinha sofrendo um “esvaziamento” há cerca de um ano. Ele diz que, quando a Lava Jato vivia seu auge, a unidade chegou a ter nove ou dez delegados, mas que nos últimos meses só restavam quatro.

‘Dimensão própria’

Segundo o professor, a decisão de extinguir o grupo pode estar ligada a pressões políticas que a PF sofre por estar investigando várias altas autoridades na Lava Jato. “Imaginar que um sistema político que está corrompido vai jogar a toalha e se entregar é ilusão.”

Mas ele afirma que a decisão não compromete a operação, que tem perdido o vínculo estreito com Curitiba à medida que se expande para outros Estados. 

“Hoje toda a estrutura da Polícia Federal – e principalmente nesses Estados onde houve uma contaminação maior de ações de corrupção – está envolvida na Lava Jato”, afirma o professor. Segundo ele, “o funcionamento das engrenagens do sistema de investigação, denúncia e condenações já ganhou uma dimensão própria”.

No Rio de Janeiro, por exemplo, investigações derivadas da Lava Jato levaram à prisão o ex-governador Sérgio Cabral e o empresário Eike Batista. No Distrito Federal, os ex-governadores Agnelo Queiroz e José Roberto Arruda também foram presos em ações ligadas à operação.

A Lava Jato também tem dado grande ênfase à investigação de ministros e congressistas em Brasília. 

Falta de recursos

Para o ex-subprocurador-geral da República Celso Roberto da Cunha Lima, a extinção do grupo de trabalho pode estar mais ligada à falta de dinheiro que a pressões políticas.

Ele lembra que, nos últimos dias, a PF suspendeu a emissão de passaportes alegando falta de recursos.

Cunha afirma que a o trabalho do órgão é essencial para a qualidade das acusações apresentadas à Justiça pelo Ministério Público.

Segundo o ex-procurador, a PF conta com profissionais preparados e emprega técnicas sofisticadas nas investigações.

Se o órgão passar a colaborar menos com a operação, ele diz que o Ministério Público poderá ter de assumir parte das funções dos policiais.

“O pessoal vai ter que se sacrificar. Algumas ações dependeriam de autorização judicial, mas o trabalho vai dobrar.”

Mais eficiência

Já a Polícia Federal afirmou que a extinção do grupo de trabalho não prejudicará as investigações.

Em nota enviada à BBC Brasil, o órgão diz que a decisão “visa priorizar ainda mais as investigações de maior potencial de dano ao erário, uma vez que permite o aumento do efetivo especializado no combate à corrupção e lavagem de dinheiro e facilita o intercâmbio de informações”.

A instituição diz que, com o trabalho sendo transferido para a Delegacia de Combate à Corrupção e Desvio de Verbas Públicas (Delecor), a carga dos delegados envolvidos na Lava Jato será reduzida, pois poderão dividir as atividades com mais autoridades.

A PF afirma que a decisão de integrar as investigações foi tomada pelo delegado regional do Paraná, Igor Romário de Paula.

Ainda segundo a corporação, o “modelo é o mesmo adotado nas demais superintendências da PF com resultados altamente satisfatórios, como são exemplos as operações oriundas da Lava Jato deflagradas pelas unidades do Rio de Janeiro, Distrito Federal e São Paulo”.

“O atual efetivo na Superintendência Regional no Paraná está adequado à demanda e será reforçado em caso de necessidade”, diz o órgão.

A PF afirmou ainda que “as investigações decorrentes da Operação Lava Jato não se concentram somente em Curitiba, mas compreendem o Distrito Federal e outros 16 Estados”.

Escreva sua opinião

O seu endereço de e-mail não será publicado.