Lula usou ex-primeira-dama como escudo no processo do tríplex do Guarujá

Falecida em fevereiro deste ano, a ex-primeira-dama Marisa Letícia esteve “presente” em boa parte do depoimento do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao juiz Sergio Moro, na quarta-feira (10).

Em quase todas as vezes que foi inquerido sobre o tríplex no Guarujá (SP), Lula respondia citando o nome da esposa, lembrando que foi ela a responsável pela compra da cota do polêmico apartamento.

Ainda durante o depoimento, o petista também contou “curiosidades” sobre a ex-primeira dama, como problemas que lhe causavam dores na cartilagem e o fato de ela não gostar de praia.

A “presença” de Marisa Letícia começou a aparecer antes mesmo de o juiz dar início ao depoimento. Enquanto Moro ainda apresentava a identificação da ação penal, o advogado de Lula, Cristiano Zanin Martins, interrompeu o magistrado para pedir que o nome de dona Marisa fosse retirado das atas do processo. Moro explicou que a exclusão do nome da ex-primeira dama já havia sido solicitada e atendida.

VÍDEO: Assista na íntegra ao depoimento do ex-presidente Lula

Na sequência, Lula então passa a citar a esposa desde as primeiras respostas. Segundo contou o ex-presidente, foi ela quem optou pela compra de uma das cotas para um apartamento simples no empreendimento onde fica o tríplex, ainda quando esse pertencia à cooperativa dos bancários (Bancoop), da qual era associada. O ex-presidente ainda falou várias vezes sobre a esposa ao explicar a visita em que ela supostamente teria tratado das reformas no tríplex e também que ela tinha dúvidas se ficaria com um apartamento ou não.

Dores na cartilagem

Marisa também foi a principal explicação de Lula para provar que não solicitou qualquer reforma no apartamento em Guarujá, uma vez que não tinha a intenção de adquirir o imóvel. De acordo com a denúncia do Ministério Público Federal, um elevador privativo, no valor de R$ 700 mil, teria sido pedido pelo casal. A reforma seria bancada pela OAS com dinheiro desviado da Petrobras.

Como prova de que não pediu nenhum elevador, Lula lembrou dos problemas de cartilagem sofridos por Marisa. Segundo o relato do ex-presidente, sua esposa tomava remédios todos os dias para aliviar as dores causadas pelo problema e, ainda assim, conseguia subir as escadas do apartamento do casal em São Bernardo do Campo sem a necessidade de um elevador.

“Será que há alguém de bom senso nesse país que imagina que eu iria pedir um elevador em um apartamento que não era meu e deixar de fazer um elevador no prédio que dona Marisa morava há 20 anos, tomando remédio todo santo dia?”, argumentou.

No fim do depoimento, Lula voltou a mostrar a foto das escadas caracol e citar as dores da falecida esposa quando novamente foi questionado sobre o elevador pelos procuradores da república.

“Ela nunca gostou de praia”

Outra “aparição” de Marisa no depoimento do ex-presidente foi na explicação dos motivos que levaram o casal a não se interessar pelo apartamento. Como contou o ex-presidente, Marisa nunca foi fã de praia e teria comprado a cota apenas para fazer um investimento.

O petista explicou também que, mesmo que ela gostasse, a praia de Guarujá é muito movimentada e, sendo ele uma figura pública, nunca conseguiria frequentar o local, “a não ser em dia de finados com chuva”.

Momentos difíceis

Em pelo menos dois momentos o ex-presidente falou ao juiz Moro sobre como Marisa ainda é um assunto delicado para ele. Lula descreveu o incômodo: “é muito difícil para mim, doutor Moro, toda hora que o senhor cita a minha mulher sem ela estar aqui para se defender”. Depois da declaração, Moro se justificou dizendo que a esposa seria um tópico vital nesse esclarecimento, mas que entendia o sentimento do ex-presidente.

Confira alguns dos momentos em que Lula falou sobre dona Marisa no depoimento:

“Dona” do apartamento simples

“A minha mulher resolveu comprar uma cota na cooperativa Bancoop. […] Ela me relatou que comprou na cooperativa dos bancários uma cota de um apartamento”.

“Eu fiquei sabendo aqui no depoimento, do depoente, que apenas em 2012, me parece, ou no final de 2011, por causa do meu câncer, foi que a dona Marisa tinha autorizado a OAS a vender o apartamento. Isso eu vi em um depoimento não sei de quem. […] Eles devem ter vendido o apartamento (antes disso) sem falar com dona Marisa”.

“Eu vou repetir: o apartamento estava no nome da minha mulher. Eu tinha dito em fevereiro que não queria o apartamento. Ela certamente pensava de fazer negócio se ela fosse ficar com o apartamento”.

“Eu sabia que ele [João Vaccari Neto] era presidente da Bancoop quando a dona Marisa fez a compra da cota”.

“Não tenho conhecimento [se as parcelas da cota do apartamento foram quitadas], porque quem cuidava do apartamento era a dona Marisa. Eu não sei quanto tempo ela pagou, se foi 2007, 2008, 2009 ou 2010 eu não sei”.

Visita ao tríplex

“Me parece que a minha esposa esteve mais uma vez (no triplex). Me parece que ela foi com meu filho Fábio e o apartamento estava desmontado. Informação que tenho do meu filho e não por ela. Certamente ela foi dizer que eu não queria esse apartamento”.

“A dona Marisa não me disse no mesmo dia que ela foi lá que não iria ficar com o apartamento. Eu já tinha mostrado para ela que era inadequado o apartamento, ela foi lá, acho, que para ver se poderia ficar com o apartamento para vender”

“Eu falei que depois de uns dez dias, não precisei a data, ela disse que não tinha nada e que não queria mais o apartamento. Eu não sei se é reforma, ela disse que não tinha nada no apartamento, que estava do mesmo jeito da outra visita”.

“Eu nem sabia que ela tinha feito a visita, doutor. Não sei se o senhor tem mulher doutor, mas nem sempre elas perguntam para gente o que vai fazer. Dez ou quinze dias depois ela me relatou. Eu falei na outra pergunta que ela me relatou e disse que não tinha gostado.[…] Ela já sabia que eu não queria o apartamento. Eu não sei se o senhor percebeu, mas o apartamento foi comprado no nome da dona Marisa”.

“[A iniciativa para a visita] deve ter sido dela. Ela tomou a decisão e ela foi, afinal de contas a cota era dela. A cota era dela, ela tinha pago, mas não tinha recebido o valor”.

Devolução do dinheiro

“Tem uma hipótese [para eles não terem optado pela devolução do dinheiro ou compra do apartamento quando o empreendimento passou do Bancoop para a OAS]: a dona Marisa não deve ter recebido o convite para participar da assembleia”.

“Veja, a dona Marisa poderia comprar um apartamento em qualquer outro prédio [por não ter feito a opção de receber de volta o que pagou ou ter comprado um apartamento]. Não precisava ser lá mais. Ela poderia comprar um apartamento em qualquer área que a empresa tivesse. Eu acredito que se oferecesse para ela um apartamento em um prédio em qualquer outro lugar, que tivesse em condições, ela poderia ter optado”.

“Todos tiveram que exercer essa opção [restituição do dinheiro ou compra de um apartamento] sobre o prédio do Guarujá. A dona Marisa, eu penso, que ela poderia fazer a opção de compra de um apartamento em qualquer outro prédio de qualquer outro lugar de São Paulo”.

Praia

“Já discutimos isso [não querer o apartamento], porque até a dona Marisa tinha uma coisa: ela não gostava de praia. Ela nunca gostou de praia. Certamente ela queria o apartamento para fazer investimento. […] Eu não ia ficar com o apartamento, mas a dona Marisa ainda tinha dúvida se ia ficar com o apartamento para fazer negócio ou não”.

“Ela disse que não tinha gostado do apartamento mais uma vez [depois que voltou da segunda visita]. Como eu tinha dito mais de uma vez que era inadequado e ela não gostava de praia, acho que ela tomou a decisão de não comprar”.

Problemas na cartilagem

“Essa [mostra uma foto ao Moro] é uma escada caracol, o doutor deve conhecer. Ela tem 16 degraus. Essa escada é do meu apartamento, que eu moro há 18 anos. A dona Marisa, há exatamente 6 anos, ela tomava remédio todo santo dia para dor na cartilagem. Será que há alguém de bom senso nesse país que imagina que eu iria pedir um elevador em um apartamento que não era meu e deixar de fazer um elevador no prédio que dona Marisa morava há 20 anos, tomando remédio todo santo dia? É, no mínimo doutor, cumprir o ditado de que quem conta uma mentira passa a vida inteira mentindo para justificar a primeira mentira”.

Dificuldade em falar sobre a esposa

“Eu tenho paciência, mas é que perguntar coisas para mim de uma pessoa que já morreu é muito difícil. É muito difícil”.

“É muito difícil para mim, doutor Moro, toda hora que o senhor cita a minha mulher sem ela estar aqui para se defender. É muito difícil. É uma pena porque uma das causas que ela morreu foi a pressão que ela sofreu, então eu não quero nem discutir isso. Quando se tratar dela eu preferia que o senhor… [faz um breve sinal de pare com a mão]”.

Getulio Xavier, especial para a Gazeta do Povo

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