Quase 200 mortos em 48 horas por bombardeios na Síria

Quase 200 pessoas morrerem, entre elas 60 crianças, e 470 ficaram feridas durante as últimas 48 horas na periferia de Damasco sob os bombardeios da aviação síria, no que o Observatório Sírio para os Direitos Humanos (OSDH), organização que monitora o conflito sírio através de uma rede de informantes na região) descreveu como “o balanço mais mortífero dos últimos três anos [na periferia de Damasco]”.

A ONU contabiliza em 393.000 os habitantes de Guta Oriental, a leste de Damasco, que desde 2013 sobrevivem sob um duplo cerco imposto pelas tropas regulares sírias no perímetro exterior e pelas milícias islâmicas que controlam o interior dos bairros cercados.

O intenso fogo de artilharia durante as últimas duas semanas marca o prelúdio da iminente ofensiva terrestre das forças especiais sírias, que estão sendo reagrupadas nos arredores de Damasco para penetrar no maior reduto insurrecto da capital.

“A experiência de libertação de Aleppo pode ser aplicada em Guta Oriental contra os milicianos da Frente al Nusra [filial da Al Qaeda na Síria]”, disse na segunda-feira Sergey Lavrov, ministro das Relações Exteriores russo e aliado de Al Assad na Síria, em referência à ofensiva que em dezembro de 2016 pôs fim a quatro anos de combates em Aleppo oriental. A recuperação de Aleppo pelas tropas regulares e as milícias xiitas regionais aliadas teve como saldo 100.000 civis desabrigados e a evacuação de 7.000 insurrectos e seus familiares à província de Idlib, oeste do país e a última em poder dos rebeldes.

“As negociações entre insurrectos e o regime sírio com a mediação russa fracassaram, de modo que o regime lançará uma ofensiva terrestre para forçar a rendição e posterior evacuação dos rebeldes armados”, diz pelo telefone de Istambul o especialista sírio Nawar Oliver. A presença de Hasan Suhail, chamado de Tigre e líder das tropas especiais sírias que combateram em frentes importantes à sobrevivência de Damasco, é um indício que a ofensiva final se aproxima contra o enclave rebelde que em 2012 ameaçava tomar a capital síria.

“Existem mais de 10.000 homens mobilizados na periferia oriental de Damasco”, diz em conversa por WhatsApp Leith Fadel, fundador do site de notícias Al Masdar. “É a maior reunião de tropas nos sete anos de guerra com efetivos da Guarda Republicana, os homens de Tigre, a Quarta Divisão [dirigida por Maher al Assad, irmão mais novo do presidente sírio] e até 500 homens das tribos aliadas a Damasco”, afirma. Fadel estima que os rebeldes são de 4.000 a 6.000 entrincheirados em uma região onde a ofensiva acabou com o acordo de distensão em vigor.

Entre cerco e combates, a deterioração da situação humanitária chegou em um ponto drástico para os moradores de Guta Oriental, onde a morte chega em forma de caças que sobrevoam suas cabeças e da fome que os ameaça em terra. Pela primeira vez em 80 dias, um comboio humanitário conjunto entre a ONU e o Crescente Vermelho Sírio conseguiu ultrapassar o cerco na semana passada. “As famílias lá assediadas só podem permitir-se uma refeição diária e os casos de desnutrição infantil dispararam”, diz um comunicado da ONU publicado após a realização da distribuição de alimentos que só pôde acessar 2,6% do maior assédio atual no país.

Pelo menos 15.000 moradores foram novamente expulsos de suas casas fugindo dos golpes da artilharia síria que na segunda-feira lançou 260 morteiros no intervalo de duas horas, de acordo com a contagem feita pela OSDH. Como no restante dos cercos dos país, a falta de alimentos vem junto com serviços de saúde quase inexistentes e escassez de medicamentos. “Já não temos palavras para descrever o sofrimento das crianças e nossa indignação”, escreveu o diretor regional para o Oriente Médio da UNICEF, Geert Cappalaere, em sua conta do Twitter após a agência da ONU publicar um simbólico comunicado em branco.

Diferentemente de outras frentes hoje ativas no país, que se concentram majoritariamente nas regiões fronteiriças com os países vizinhos, Guta Oriental está totalmente isolada. Lá se trava uma das últimas batalhas da guerra civil em uma conjuntura de conflito internacionalizado após a ingerência de potências regionais como o Irã, Arábia Saudita e Turquia e internacionais como a Rússia e os Estados Unidos.

O Exército sírio recorreu aos cercos como estratégia de guerra desde o inicio dos conflitos, tática que foi replicada em menor medida pelos rebeldes. Esse foi o cenário em Al Waer, último bairro sob o controle rebelde em Homs capital, e Aleppo, entre outros, onde uma vez exaurida a população, os insurrectos aceitaram negociar com Damasco uma evacuação de seus homens à colcha de retalhos rebelde em que se transformou Idlib. Igualmente, foi imposta a máxima de divide et impera. À iminente ofensiva das forças de elite sírias, se sobrepõe uma guerra interna entre facções islâmicas em Guta Oriental, com a Jeish el Islam (apoiada por Riad) combatendo a coalizão islâmica formada pelas facções da Faylaq Al Rahman e Ahrar Al Sham sob a liderança da filial local da Al Qaeda (apoiadas pelo Catar e a Turquia).

EL PAÍS / FRANÇA

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